Sunday, January 04, 2009

Os cães vão para o céu?

por Milton L. Torres

Uma vez alguém indagou a Elizabeth Marshall Thomas se haveria cães no céu. Ela respondeu afirmando que obviamente o céu teria cachorros, de outra forma não seria céu (DONIGER, 2007). Da mesma forma, o veterinário americano Robert T. Sharp escreveu, em 2005, um livro (ao qual não tive acesso) fazendo justamente essa pergunta: haverá cães no céu? Na universidade americana Seattle Pacific University, Kathleen Braden, uma professora de geografia, ensina um curso denominado “Haverá cães no céu?”, no qual ela explora as relações entre o homem e os animais, incluindo o estudo de tratados teológicos sobre a natureza dos animais, o relacionamento dos seres humanos com o sofrimento animal e os aspectos psicológicos de nosso relacionamento com nossos animais de estimação. Se isso lhe soa estranho, talvez seja nossa sisudez que nos impeça de apreciar a possibilidade de seres humanos e animais conviverem pacificamente em um ambiente celestial. De acordo com Bill Hall (1990), as pessoas raciocinam que, se houver cães no céu, também haverá ali gatos, camundongos e outros animais de estimação que poderão ser inconvenientes à fruição de gozo eterno. Talvez imaginem que será uma tentação dietética contemplar uma ave ou peixe, no céu, sem poder apreciá-los de uma forma mais epicurista do que o ambiente celestial permitirá. De qualquer forma, minha família ficou profundamente impressionada, recentemente, quando ouviu um pregador anunciar, enfaticamente, que os cães não vão para o céu. Como muitas outras famílias cristãs, temos uma cadela (pinscher) em casa. Seu nome é Melanquita (“vestido preto”, em grego), e meus filhos adolescentes muito se afeiçoaram a ela. Ouvir, repentinamente, que os cães não vão para o céu causou-lhes grande decepção. Contudo, ao examinar o texto bíblico apresentado pelo pregador, confesso que não tive a mesma impressão que ele e estou convencido de que o mesmo não exclui os cachorros do céu. Trata-se de Ap 22:14-15: “Bem-aventurados aqueles que lavam as suas vestiduras [no sangue do Cordeiro], para que lhes assista o direito à árvore da vida, e entrem na cidade pelas portas. Ficarão de fora os cães e os feiticeiros, e os que se prostituem, e os homicidas, e os idólatras, e qualquer que ama e comete a mentira.”
Não me sinto embaraçado ao me referir ao cachorro da família de forma afetuosa. Bainton (1957) comenta que Lutero, em várias passagens de sua obra Conversa à mesa (ou Colloquia mensalia, em latim), menciona seu cachorro Toelpel, ao qual ele parece ter estimado muito. Percebe-se pela fala de Lutero que ele esperava que os cães fossem para o céu. Ele chega mesmo a dizer que, no céu, os cães teriam pele de ouro e pêlo de prata. Além disso, ele os apresenta como modelos para a fidelidade e concentração cristãs: “Ah, se eu pudesse orar com a devoção com a qual meu cachorro observa um pedaço de carne” (Conversa à mesa, n. 274). Além disso, a ressurreição dos animais é uma doutrina solidamente estabelecida entre os mórmons. Segundo o autor mórmon Bruce R. McConkie (1962, p. 573-578), “nada é mais absolutamente universal do que a ressurreição; todo ser vivo há de participar dela: ‘como todos morreram em Adão, assim em Cristo todos serão vivificados’ (1 Co 15:22.)”.

São literais os cães de Ap 22:14-15?
O texto de Apocalipse definitivamente não se refere a cães literais. O contexto favorece a uma interpretação metafórica da passagem por duas razões principais. Em primeiro lugar, todos os outros elementos da lista apocalíptica dos excluídos da Nova Terra são figuras humanas culpadas de pecados graves: feiticeiros, prostituídos, homicidas, idólatras e mentirosos. Incluir um animal entre esses não faz sentido, pois os animais não são passíveis de cometer pecado. Em segundo lugar, o livro de Apocalipse apresenta, em 21:8, uma outra lista de impossibilitados à salvação que tampouco inclui animais: “quanto aos tímidos, e aos incrédulos, e aos abomináveis, e aos homicidas, e aos fornicadores, e aos feiticeiros, e aos idólatras e a todos os mentirosos, a sua parte será no lago que arde com fogo e enxofre; o que é a segunda morte”.
Além disso, existem outros usos metafóricos dessa palavra nas Escrituras. Dt 23:18 fala do salário de uma prostituta e de um cão num contexto tão claramente simbólico que as traduções portuguesas nem mesmo retêm a palavra “cão”: “não trarás o salário da prostituta nem preço de um sodomita [ou cão] à casa do Senhor teu Deus por qualquer voto; porque ambos são igualmente abominação ao Senhor teu Deus.” O termo era, também, um insulto genérico (1 Sm 17:43; 24:14; 2 Re 8:13; Sl 22:17, 21; Isa 56:10-11; Mt 7:6), como ainda o é em nossos dias, ou uma expressão de humildade (2 Re 8:13). É, portanto, um contra-senso insistir que os cães encontram-se escatologicamente barrados de existir na Nova Terra.

Os cães de Apocalipse são os gentios?
As listas de vícios, pecados e tipos de pecadores eram comuns entre os filósofos moralizantes do mundo greco-romano. Luciano, em seu tratado intitulado Hermótimo 22, compara a virtude (aretē) a uma cidade da qual são excluídos todos os vícios. Nas Escrituras, Paulo é quem as utiliza com maior freqüência. O caso do livro de Apocalipse, que se baseia na tradição de Dt 18:9-14, é a única ocorrência conhecida de uma lista de vícios contendo a palavra “cães”. Por isso, tem sido prática comum interpretar o termo como uma referência a pessoas e não a animais. De fato, de acordo com Dídimo de Alexandria, os cristãos do século IV negavam a participação na comunhão aos não batizados com base no provérbio de Mt 7:6, que proibia que coisas sagradas fossem dadas aos “cães”. Será, contudo, que uma comparação entre o texto de Apocalipse e o evangelho de Mateus nos permitiria concluir que “cães”, figurativamente, são sempre os gentios?
Apesar de o evangelho de Mateus ter sido escrito primariamente para os judeus, há, nele, um número surpreendentemente alto de referências aos gentios. Como em alguns casos, Mateus os apresenta sob uma luz desfavorável, certos teólogos, como David Sims (1998, p. 215-256), por exemplo, têm suposto que o evangelho tem um tom anti-gentílico. Outros teólogos, como Hummel (1996, p. 36) e Bonnard (1982, p. 429-435), entendem que, quando os líderes judaicos, em Mateus, empregam a palavra “pecadores”, eles geralmente se referem aos gentios. Assim, a frase “publicanos e pecadores” deve ser compreendida como equivalente sintagmático de “publicanos e gentios”. No entanto, é possível perceber inúmeras ocasiões em que Mateus apresenta os gentios com um olhar favorável: 8:5-13; 21:17-24; 27:54; etc. Para Smillie (2002, p. 74-96), Jesus aceita e adapta os estereótipos judaicos convencionais em relação aos pagãos como a quintessência da injustiça discursiva, procurando generalizar a fim de criar um contraste em relação ao qual Ele possa criar um novo comportamento ou atitude. Por essa razão, não me parece coerente supor que a referência de Jesus aos cães, na perícope da mulher cananéia (Mt 15:22-28), tenha como intenção outra coisa que não generalizar para contrastar e levar a uma mudança de atitude. Os leitores de Mateus, observando o relato através da máscara exclusivista do Judaísmo, devem perceber pela resposta da mulher e pela concessão de Jesus a sua súplica que necessitam adotar uma nova atitude em relação aos samaritanos e aos gentios em geral: uma atitude de tolerância. A mulher toma, sem pudores, o termo deliberadamente pejorativo de Jesus e o aplica a si mesma, ao dizer: “mas mesmo os cães”. Isso lhe ganha a bênção e, mais do que isso, um dos mais comoventes elogios feitos por Jesus nos evangelhos.
Fica claro, portanto, que, apesar de pejorativo, o uso do termo “cães” por Jesus em Mateus tem como objetivo provocar uma mudança de atitude em relação a uma classe discriminada. A situação criada por Jesus é o equivalente prático de sua declaração “ouviste o que foi dito... eu, porém vos digo”, usada por Ele com a mesma finalidade de transformar a compreensão de seus ouvintes em relação a conceitos que deveriam ser suplantados pelo amor cristão. Entretanto, o interesse principal deste artigo não é estabelecer todo o contexto em que a palavra “cães” se emprega em Mateus, mas simplesmente assinalar que os escritores neotestamentários estavam familiarizados com seu uso metafórico. Ou seja, em Mateus a palavra “cães” não se refere ao animal, mas aos gentios. Por outro lado, não podemos dizer que a ocorrência da palavra em Apocalipse tenha o mesmo referencial uma vez que percebemos que, em Mateus, a palavra foi enobrecida por Jesus. Depois do encontro da mulher cananéia com Jesus, os “cães” (= gentios) não são mais excluídos do banquete, mas passam a ter direito às migalhas. Por isso, os cães de Apocalipse não podem ser os gentios porque, ali, os cães continuam excluídos da salvação.

Quem são os cães de Apocalipse?
Ao analisar a passagem de Apocalipse, Robertson propõe, com base em Dt 23:18, que os “cães” são pessoas sexualmente impuras, uma vez que, segundo ele, os cães eram animais de rapina no Oriente e, por isso, eram ali desprezados. A mensagem do Apocalipse não representa, contudo, unicamente o pensamento oriental. João, é verdade, era judeu, mas escreveu em grego, na ilha de Patmos, uma prisão romana no coração do mundo grego. Por isso, pode-se buscar para a palavra “cães” um sentido mais próximo àquele empregado no mundo greco-romano. Se isso é verdade, o termo pode ter um sentido filosófico mais abrangente do que apenas o da imoralidade.
O mundo grego conheceu certos filósofos que se chamavam a si mesmos de cínicos, isto é, “caninos”, para enfatizar seu comportamento irrestritamente franco. Um dos mais famosos desses filósofos foi Diógenes de Sínope que, segundo Diógenes Laércio 6.54, era “um Sócrates enlouquecido”. Diógenes pregava a anaidéia, isto é, uma vida totalmente despojada de pudor. Outro renomado filósofo cínico foi Crates de Tebas (TORRES, 2001, p. 45-54). Sabemos, por intermédio de Apuleio (Floridum 14), que Diógenes de Sínope persuadiu Crates, no século IV a.C., a renunciar a sua fortuna. Crates passou, então, a se referir a sua antiga riqueza pela expressão “fardo de esterco” (onus stercoris). A decisão de Crates foi tão ofensiva a alguns que Clemente de Alexandria, em sua obra Quem é o homem rico que se salva?, declara que Crates o fez apenas porque queria se libertar do trabalho de ter que manter suas posses, preferindo o ócio das letras inúteis (hē scholē nekras sophias) e, portanto, não pelas razões sugeridas por Jesus em Mr 10:17-31. O mesmo Apuleio (Floridum 22) apresenta um Crates desnudo, ensinando suas doutrinas e carregando uma clava semelhante à de Hércules (seminudus et clava insignis). Além disso, Apuleio nos informa que Crates costumava copular com sua consorte Hiparque, em frente ao Pórtico Pintado, em plena ágora ateniense (Floridum 14).
O espírito de controvérsia associado aos cínicos teve enorme influência no pensamento greco-romano (LESKY, 1996, p. 672). A sinceridade destemperada desses filósofos teve repercussão negativa entre as demais escolas filosóficas e causou muita reação entre estóicos e epicureus. É, por essa razão, que os demais gregos passaram a se referir a eles como cínicos, isto é, “caninos”. O próprio Diógenes de Sínope, fundador dessa escola filosófica, aceitou o apelido de “Diógenes, o cão”. Não se deve menosprezar a influência dos sistemas filosóficos greco-romanos sobre o pensamento dos escritores neotestamentários que ora os aprovam e ora os rejeitam, a depender do teor de seu conteúdo (TORRES, 2006). Minha proposta é que os cães de Ap 22:14-15 sejam justamente as pessoas de comportamento aberrante que o mundo greco-romano havia se acostumado a chamar de cínicos (“caninos”). O apóstolo João pode estar simplesmente fazendo um alerta de que o comportamento espalhafatoso e abertamente ofensivo, a revolta pelo simples prazer da revolta, a crítica inamistosa e a imoralidade frívola, tudo isso pode impedir que o cristão, um dia, ingresse no paraíso escatológico a ele prometido pelas Escrituras.
Além disso, ao contrário do que pode ter acontecido no Oriente (se é que a afirmação de Robertson de que os orientais desprezavam os cães é verdadeira), os gregos e os romanos tinham grande proximidade com seus cães de estimação. Desde a referência ao famoso cão Argos, pertencente a Ulisses, na Odisséia, até as inúmeras estelas funerárias gregas que costumeiramente incluíam as figuras dos cães ao lado dos donos falecidos, evidências abundam de que o mundo greco-romano amava esses animais. Aliás, não se pode dizer que o termo “cínico” era pejorativo. Pelo contrário, ele pode ter até contribuído para a aceitação desses filósofos que voluntariamente usavam o epíteto de “cães” para chamar a si mesmos.
Em sua epístola aos efésios (7.1), Inácio interpreta os “cães” de Apocalipse como sendo “aqueles que rejeitam a verdade e se endurecem contra a graça”. Não poderia haver uma descrição mais precisa dos cínicos de sua época: homens obstinados, que rejeitavam as tradições e a razão, com o firme propósito de se oporem à sociedade em que viviam. Talvez seja, por isso, que Jesus hesite em deixar que o evangelho seja levado a pessoas assim (Mr 7:6). Dessa forma, a majestade do evangelho não pode ser vilipendiada pela hostilidade daqueles que se opõem a tudo que existe no mundo, seja no campo material ou no espiritual. Obviamente, não posso provar que a referência a “cães” no Novo Testamento tenha como única referência os cínicos. É certo que, nos evangelhos, o termo se refira mesmo aos gentios. Entretanto, quero sugerir que a expressão apocalíptica tenha essa acepção principal. Há indícios de que o cinismo tenha florescido de maneira mais intensa sob a dinastia flaviana. Ora, Domiciano, sob quem João foi condenado a Patmos, foi um dos mais conhecidos imperadores dessa dinastia.

Haverá, então, animais no céu?
O manuscrito 4Q394, encontrado, em Qumran, no Mar Morto, nos dá uma pista por que os judeus antigos, contrariamente às práticas do Ocidente, pareciam avessos à presença de cães em Jerusalém. O manuscrito traz uma proibição quanto à manutenção de cachorros nas imediações do templo, porque estes insistiam em desenterrar os ossos dos animais ali sacrificados. Da mesma forma, o livro apócrifo conhecido como Atos de André também sugere que os primeiros cristãos tinham uma atitude ambivalente para com os cães, pois essa obra nos informa que alguns cristãos acreditavam ser o cachorro um animal cuja forma o diabo gostava de assumir. Apesar dessas considerações negativas, não há nada que nos sugira que a ocorrência da palavra “cães” no Apocalipse deva ser interpretada literalmente. Além disso, o Antigo Testamento fala abundantemente da existência de animais na Nova Terra. A passagem mais famosa nesse contexto é Is 65:25: “o lobo e o cordeiro se apascentarão juntos, e o leão comerá palha como o boi; e pó será a comida da serpente. Não farão mal nem dano algum em todo o meu santo monte, diz o Senhor”. O texto é uma repetição ligeiramente alterada de Is 11:6: “e morará o lobo com o cordeiro, e o leopardo com o cabrito se deitará, e o bezerro, e o filho de leão e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará”. A passagem é, no entanto, aplicável primariamente ao antigo Israel e não à Igreja atual. Entretanto, como a maioria das profecias do Antigo Testamento é reaplicável à Igreja, pode-se imaginar que haverá animais na Nova Terra.
O reverendo Richard Phillips, pastor da primeira Igreja Presbiteriana Coral Springs, em Margate, na Flórida, responde a pergunta “haverá cães no céu?” com a seguinte afirmação: “provavelmente haverá, mas não o seu cachorro”. O que ele quer dizer é que, na reacriação da natureza, provavelmente Deus embelezará nosso planeta com espécies animais e vegetais, como o livro de Gênesis relata que Ele fizera na semana da criação. No entanto, não podemos estar certos de que isso se dará por meio da ressurreição dos animais que antes existiram na Terra. Pode ser que Deus simplesmente decida criar novos animais para essa finalidade.

Conclusão
Ellen White não fala muito sobre “cães”. Nas vezes em que a expressão ocorre em seus livros, esta se refere principalmente aos gentios de Mt 7:6 ou 15:22-28. Entretanto, no contexto da educação dos filhos, Ellen White (OC, p. 251) nos lembra que crianças não são como cães ou cavalos aos quais podemos dar ordens indiscriminadamente. Isso talvez seja útil para nos lembrar que o inverso também é verdadeiro. Por mais que amemos a esses animais, devemos sempre nos lembrar que eles não são crianças e, portanto, não devem ter a prioridade em assuntos domésticos.
Rudyard Kipling escreveu um poema no qual afirma que se pudesse dar a Jesus um único presente, dar-lhe-ia um cão. Mark Twain disse, por sua vez, que, se não há cães no céu, ele preferiria ir aonde eles foram. Esses são, obviamente, exageros. Não há que se chegar a tanto. Porém, talvez seja importante para nossa sensibilidade pós-moderna saber que a Bíblia não descarta a possibilidade de que haja cães na Nova Terra. De qualquer forma, ainda que não haja cães no céu, eles estarão lá, pois os levaremos conosco em nosso coração.

BAINTON, Roland. Luther on birds, dogs and babies. Luther Today. Decorah, Iowa: 1957.

BONNARD, Pierre. L’évangile selon Saint Matthieu. 2. ed. Geneva: Labor et Fides, 1982.

DONIGER, Wendy. Hell is other people; heaven is other dogs. On Faith. 28/06/2007.

HALL, Bill. Who will look after the dogs in heaven? Tribune. Lewiston, Idaho: 25/05/1990.

HUMMEL, Reinhart. Die Auseinandersetzung zwischen Kirche und Judentum im Matthäusevangelium. Munich: Kaiser, 1966.

LESKY, Albin. A history of Greek literature. Indianapolis: Hackett, 1996.

LUTHER, Martin. Selections from the table talk. Tradução: Henry Bell. London: The House of Commons, 1646.

MCCONKIE, B. Mormon doctrine. Salt Lake City, Utah: Bookcraft, 1966.

PHILLIPS, Richard. Will there be dogs in heaven? Alliance of Confessing Evangelicals. 2007.

ROBERTSON, Archibald T. Word Pictures in the New Testament. Nashville: Broadman, 1932.

SHARP, Robert T. No dogs in heaven? scenes from the life of a country veterinarian. New York: Carroll & Graf, 2005.

SIMS, David C. The gospel of Matthew and Christian Judaism: the history and social setting of the Matthean community. Edinburgh: T. & T. Clark, 1998.

SMILLIE, Gene R. “Even the dogs”: gentiles in the gospel of Matthew. Journal of the Evangelical Theological Society, v. 45, n. 1, p. 74-96, 2002.

TORRES, Milton L. The stripping of a cloak: a topos in Classical and Biblical literature. Hermenêutica, Cachoeira, BA: v. 1, n. 1, p. 45-54, 2001.

__________. Felix’s refusal to further listen to Paul as a statement of philosophical superiority. Philica, n. 70, p. 1-3, 2006.
http://philica.com/display_article.php?article_id=70

WHITE, Ellen G. Orientação da criança. Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira, [1990?].


Este artigo foi publicado originalmente, com ligeiras alterações, em TORRES, Milton Luiz . O destino dos cães. Ministério, Tatuí, SP, v. 79, p. 27 - 29, 01 fev. 2008.

Resenha do Livro O Impostor que Vive em Mim

por Milton L. Torres

MANNING, Brennan. O impostor que vive em mim. 2. ed. São Paulo: Mundo Cristão, 2007.

O livro de Manning é permeado daquele tipo prático de espiritualidade que nos torna mais humanos ao mesmo tempo em que nos aproxima de Deus. A obra parece, de fato, emanar da penosa experiência vivida pelo autor, quando superou o grave problema do alcoolismo para se dedicar à obra pastoral. A franqueza sobre os próprios fracassos e dissabores na vida nos impressiona. No entanto, ela também nos sinaliza de que mesmo as falhas podem conduzir à vitória espiritual.
O capítulo 1, “Saia do esconderijo” (p. 17-34) começa com a história do peru arrancado a Ruller (no conto “The Turkey”, de Flannery O’Connor). Segundo Manning (p. 19-20), “é como se nosso Deus fosse aquele que providencia perus com benevolência e os tira por simples capricho”. No entanto, um Deus assim é feito à imagem do homem. Dessa forma, nossas projeções de Deus se tornam um tipo de idolatria. O remédio para essa tendência é contrastar nossas projeções com a revelação de Jesus. Por isso, Manning fala da tristeza de Deus (1) pelo medo que temos dele (embora a queda não o impeça de nos amar), da vida e de nós mesmos; (2) pelo ódio que temos de nós mesmos; (3) porque tentamos nos esconder e, com o tempo, passamos “a acreditar que temos, de fato, a mesma aparência das máscaras que usamos” (p. 23); (4) porque não reconhecemos nossa insignificância, pois “o moralismo da igreja e a pressão para alcançar o sucesso transformam peregrinos cheios de expectativa a caminho da Nova Jerusalém numa trupe desanimada de Hamlets deprimidos” (p. 25-26); (5) porque rejeitamos a nós mesmos, o que se torna “o maior inimigo da vida espiritual porque contradiz a voz sagrada que nos chama de ‘amados’” (p. 26); (6) e porque duvidamos de seu amor. Segundo o autor, “Jesus removeu a mortalha do perfeccionismo” (p. 28) e, por essa razão, podemos abraçar a vulnerabilidade.
O capítulo 2, “O impostor” (p. 35-52), nos apresenta o perfil do impostor: (1) seu fraco é a aceitação e a aprovação; (2) perde o contato com os próprios sentimentos (co-dependência); (3) é aquilo que faz; (4) é mentiroso (tem uma fachada de papelão); (4) se preocupa com o próprio peso (“apesar de a saúde ser um fator válido e importante, a quantidade de energia e tempo dedicada a adquirir e manter um corpo esbelto é absurda”, p. 39); (5) exige atenção (“cada um vive à sombra de uma pessoa ilusória... a dedicação ao culto dessa sombra é o que se chama de ‘vida de pecado’” (p. 40); (6) faz acepção de pessoas; (7) não consegue ter intimidade, pois “seu narcisismo exclui os outros” (p. 44). Daí, a citação de Santo Agostinho: “amar a Deus até esquecer de si ou amar-se até esquecer e negar a Deus” (p. 41). Manning trata, então, das causas da impostura: (1) memórias reprimidas da infância; (2) covardia; (3) resistência interna à oração, pois “a oração é a morte de toda identidade que não procede de Deus” (p. 47); e (4) padrão de comportamento punitivo inconsciente (hostilidade).
O capítulo 3, “O amado” (p. 53-66), discute, a princípio, a questão da espiritualidade. Com base em suas leituras, Manning chega à conclusão de que (1) a espiritualidade não é uma esfera da vida, mas um modo de viver (cf. William L. H. Moon); (2) seu estágio mais elevado é o ser comum (cf. Thomas Merton); (3) é prejudicada pela falsa humildade (cf. John Eagan); (4) depende de nossa definição como “amados de Deus” (cf. John Eagan); (5) não comporta grandiloqüência (Mike Yaconelli); e (6) exige tempo a sós com Deus. A segunda parte do capítulo desenvolve, com mais detalhes, a definição do cristão como “amado de Deus”, especialmente com base em Is 43:1, 4 e 54:10. Na avaliação do próprio Manning, este capítulo parece ser o que tem provocado mais reações nas pessoas, tornando-se a principal razão por que o livro alcançou êxito e reputação.
O capítulo 4, “Filho de Deus” (p. 67-86), discute o sentimento de filiação para com Deus, descrevendo-o como (1) a ipsissima vox (expressão original e autêntica) de Jesus; (2) um convite e convocação de Jesus (Jo 1:12; Rm 8:14-16; 1 Jo 3:1); (3) fonte de ternura (que “nasce da segurança de saber que alguém gosta de nós de forma completa e sincera”, p. 70) no vínculo do Espírito Santo (Rm 5:5); (4) fonte de perdão (Lc 6:35); (5) liberação do espírito de juízo (pois “sempre que o evangelho é invocado para comprometer a dignidade de um filho de Deus, então é hora de se livrar desse tal evangelho para viver o verdadeiro”, p. 77); e (6) liberação do espírito de racismo e homofobia (pois, como diz Leon Tólstoi, “se as fantasias sexuais da pessoa comum fossem expostas, o mundo ficaria horrorizado”, p. 79). Manning insiste que “não somos a favor da vida simplesmente porque evitamos a morte” (p. 79). Por isso, “o caminho da ternura evita o fanatismo cego” (p. 80). Aliás, Manning deplora os embates entre conservadores e liberais, declarando que “nem a delicadeza liberal nem a truculência dos conservadores focam a questão da dignidade humana, sempre vestida com farrapos. Os filhos de Deus encontram uma terceira via. São guiados pela Palavra de Deus e apenas por ela” (p. 83). Para ele, a “religião restrita e separatista é um lugar isolado, um Éden coberto de mato, uma igreja na qual as pessoas vivem em uma alienação espiritual que as distancia de seus melhores talentos humanos” (p. 83).
No capítulo 5, “O fariseu e a criança” (p. 87-108), Manning defende a importância do sábado como memorial da criação e da aliança. Para ele, no entanto, a guarda do sábado foi deturpada por causa (1) do exílio babilônico e (2) da atuação dos fariseus (seu legalismo, sua ênfase em rituais visíveis; sua capacidade de transferir culpa; sua capacidade de condicionar a aceitação divina ao comportamento humano; sua susceptibilidade à espiritualidade terrorista; e suas duas falhas de relacionamento: adorar a si mesmos e desprezar as pessoas. Manning ainda nos lembra que “Jesus não morreu por obra de assaltantes, estupradores ou assassinos. Ele foi morto por pessoas profundamente religiosas, os membros mais respeitados da sociedade, que preferiram lavar as mãos” (p. 91). Para ele, “qualquer pessoa que tenha priorizado a lei, as regras e a tradição, e não o sofrimento dos outros, está na mesma situação dos fariseus” (p. 92). Manning defende o evangelho das crianças, pois estas (1) contrastam absolutamente com os fariseus; (2) expressam espontaneamente seus sentimentos; (3) têm semelhança íntima com Jesus; (4) resistem a métodos artificiais de espiritualização; (5) agem com indiferença aos estereótipos; e (6) não têm ambição. Por isso, Manning concorda com John Shea quando este afirma que “o natal não é um dia de ingenuidade e idealismo num ano de realismo incessante. É o dia da realidade num ano de ilusão. Ao acordar na manhã de natal, percebemos como andamos como sonâmbulos durante o resto do ano” (p. 104, n. 12). Apesar disso, Manning nos adverte que é preciso evitar as criancices.
O capítulo 6, “A atualidade da ressurreição” (p. 108-128), defende a importância da ressurreição para a teologia cristã: (1) como base da apologética; (2) como elemento distintivo do cristianismo; (3) como cerne da pregação evangélica; e (4) como sentido da vida. Segundo ele, a fé na ressurreição (1) não deve limitar a ressurreição ao passado ou ao futuro; (2) deve dar crédito ao “rumor dos anjos” (expressão usada por Peter Berger para descrever o toque de Deus em nossa vida); (3) deve contemplar a atualidade da ressurreição de Cristo como espírito vivificante (1 Co 15:45; 2 Co 3:17); (4) deve livrar-nos do pessimismo e do derrotismo (pois “naquilo que Shakespeare chamou de ‘o auge do sangue’, a vida parece ser mais ardente, os acontecimentos parecem ter mais significado, e a louca trama de cada dia parece conduzir a um propósito”, p. 120); (5) deve penetrar no mistério do mundo; (6) promove a integração da emoção com a razão, pois nos oferece a compreensão do verdadeiro milagre do evangelho e do impacto da oração; e (7) impulsiona o ministério. Manning cita a declaração de John McKenzie: “a espinha dorsal de nossa religião, quem sabe, talvez, de todas as religiões nesta geração confusa, é um punhado de obstinados numa casa de adoração quase vazia, que continua a fazer aquilo por força do trabalho; seja por hábito, lealdade, inércia, superstição, sentimentalismo ou, possivelmente, fé verdadeira” (p. 126). O autor conclui o capítulo com as três qualidades que considera essenciais para a sobrevivência do cristão em nossa época de “bombardeio da mídia, leitura superficial, conversas estéreis, oração mecânica e submissão aos sentidos” (p. 128): atenção (segundo Sócrates, “a vida desatenta não vale a pena”), consciência e disciplina. Com essas coisas será possível, inclusive, o resgate de nossa paixão.
O capítulo 7, “O resgate da paixão” (p. 129-146), abre com uma definição de paixão, tomada de Thomas Moore: “a energia essencial da paixão”. O autor ilustra a importância da paixão com a parábola do tesouro escondido e com a história de Leslie Robins, ganhador do maior prêmio pago pela loteria americana a um único apostador. Ao ser informado que ganhara 111 milhões de dólares, em 10-7-1993, Leslie tomou o avião para a Flórida a fim de reatar com Colleen DeVries, sua namorada de infância a quem jamais conseguira esquecer. Em seguida, o autor conta sua própria experiência de superação do alcoolismo e a história de um menino judeu chamado Mardoqueu que só foi curado de sua hiperatividade e desinteresse pelas coisas espirituais quando repousou a cabeça no peito do rabino de sua sinagoga e lhe ouviu o coração bater. Manning relaciona essa experiência ao relato bíblico da ceia (Jo 13:23-25). O autor conta, então, a história de um homem que sofria de câncer e aprendera a orar imaginando que Jesus ocupava a cadeira ao lado de sua cama. Ao falecer, recostou pacificamente a cabeça no assento da cadeira, reconhecendo a presença real de Jesus ali. Depois de meditar na experiência do apóstolo Pedro, Manning conclui o capítulo com a observação que “o resgate da paixão começa com a reavaliação do tesouro, continua quando permitimos ao Grande Rabino nos segurar perto de seu coração e culmina numa transformação pessoal para a qual nem estamos preparados” (p. 146).
O capítulo 8, “Determinação e fantasia” (p. 147-165), trata dos “relacionamentos controladores” os quais Manning identifica como sendo caracterizados pelo respeito às opiniões e pelo medo do ridículo que gera “uma mediocridade pavorosa”. Assim, o autor propõe que o cristão aja com independência (ou singularidade), mediante os seguintes princípios: (1) a paixão como determinação ferrenha; (2) o aprendizado que se transforma em amor; (3) a decisão corajosa de tomar decisões impopulares; (4) a dependência radical de Deus; (5) a profunda consciência da atualidade da ressurreição de Cristo; (6) a indiferença à opinião pública (isto é, a autonomia e a libertação da escravidão imposta pela aprovação humana); e (7) a primazia do “ser” sobre o “fazer”. Segundo Manning, o foco farisaico produz, com seus rituais infindáveis, a anulação da religião autêntica. Apesar da importância do “ser”, o autor nos lembra que o “fazer” é que nos define, pois (1) a teoria tem um lado sombrio; (2) o “ser” pode ser uma mera ilusão; e (3) Jesus nos legou um exemplo notável de serviço e ele opta por continuar servo mesmo no banquete escatológico (Lc 12:37). Em seguida, Manning expressa sua preocupação com o fascínio mórbido que o Apocalipse exerce sobre algumas pessoas e que gera um pânico alarmista baseado em eventos temporais (isto é, cada evento a história é interpretado pelos “relações públicas do Apocalipse” como sendo o cumprimento de alguma profecia). Por isso, o autor nos conclama a abandonar nossa “fantasia da invencibilidade”. Segundo ele, a consciência profunda da morte é rara entre os cristãos e, por essa razão, constitui o maior desafio à fé. Essa consciência produz, no entanto, uma drástica mudança de vida, pois o medo da morte é análogo ao medo da vida. Além disso, a negação da morte não é uma opção saudável. Só podemos receber alento, em relação a essa impossibilidade humana, a partir da consciência da ressurreição de Cristo.
O nono e último capítulo, “O pulsar do coração do Mestre” (p. 167-186), trata do ilimitado amor de Deus, que é reconhecido pelos autores contemporâneos e explicitado no evangelho de João. Esse amor provoca reações na pessoa comum, no diletante, no cínico e nos sinceros. Por isso, Manning evoca a declaração de Eugene Peterson, segundo a qual, “as Escrituras não existem para entreter. Nem para divertir. Nem para a cultura. Não são a chave que destranca segredos do futuro” (p. 169). O amor de Deus é, ainda, nossa fonte de perdão, mas requer nosso arrependimento em relação (1) aos pecados veniais, (2) à pecaminosidade humana, (3) ao maior pecado (que é perder o senso do pecado), (4) à essência do pecado (que é sermos autocentrados), e (5) à espiritualidade fingida. O amor de Deus é a base da obra de reconciliação de Cristo: (1) contra as amarras da hipocrisia; (2) para demonstrar que nada pode nos separar do amor de Deus; (3) para demonstrar que até o pecado pode se tornar uma bênção (quando encaramos nossa capacidade de fazer o mal e, pela graça, a convertemos em força construtiva); (4) para demonstrar que as feridas são necessárias; e (5) para demonstrar que a intimidade com Deus é essencial. Nesse contexto Manning relata a história do homem que vivia dentro de um contêiner, na Austrália, para fugir da vida. Quando o contêiner foi perfurado por balas, que também atingiram seu morador, orifícios se abriram pelos quais este podia observar a vida comum das pessoas ao seu redor. Isso o recuperou para a vida em sociedade: as feridas são, de fato, necessárias. Para Manning, se conseguirmos aceitar a Jesus como Mestre, então (1) desenvolveremos uma nova teologia sobre os judeus (segundo ele, “ser antissemita é cuspir no rosto de nosso Salvador judeu”, p. 182); (2) teremos uma experiência trinitária; (3) constataremos que não estamos sozinhos “na estrada de tijolos amarelos”; (4) teremos uma nova compreensão do discipulado; (5) constataremos que paixão significa sofrimento e (6) perceberemos a vulnerabilidade de Deus.
Manning conclui a obra com vislumbres do reconhecimento do que a tradição judaica chama de Kabod Yahweh, a “majestade esmagadora de Deus”. O resgate da paixão está intimamente ligado à perplexidade quanto à força esmagadora desse mistério. Segundo ele, “nós nos movemos do cenáculo, onde João deitou sua cabeça no peito de Jesus, para o livro do Apocalipse, em que o discípulo amado cai prostrado diante do Cordeiro de Deus” (p. 186).

Thursday, January 01, 2009

Meu Currículo

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