Wednesday, September 30, 2015

Eu chorei hoje

Eu chorei hoje porque meu cachorro morreu. Não chorei tanto por ele. Chorei por minha mortalidade, na constatação de que o ser humano é pouco diferente do ser canino, a não ser pela verificação fulminante de que somos piores. Não espargimos a mesma afeição. Os olhos não destilam a mesma sinceridade. O corpo, as nádegas e a cauda não reproduzem a mesma alegria. A língua e a boca não se guardam de atropelar os sentimentos dos outros e de fazê-los soçobrar de desgosto e decepção. Os nossos olhos não pedem, não suplicam e muito menos agradecem. Não sabemos meter o rabo entre as pernas com a mesma classe, nem expressar nossa absoluta necessidade das migalhas do afeto que contentaria o cão, levitante e feliz, mas não a nós. Não sabemos comer na mão dos outros. Não lambemos as lágrimas que escorrem do rosto alheio. Não sabemos falar sem palavras, pois sempre enfiamos sons incompreensíveis nos grunhidos atordoados que articulamos quando devíamos falar com o coração e não com essa voz esganiçada e feia que usamos para rebaixar e prejudicar. Não sabemos morder a tigela vermelha e carregá-la conosco aonde quer que vamos, certos, seguros, certíssimos de que, na vida, só necessitamos de duas coisas: um pouco de comida e um cafuné na barriga. Em vez disso, nós nos enfrentamos e torcemos o pescoço um do outro por coisas de que não necessitamos. Nem sequer latimos para alertar as pessoas de nossos ataques, sempre traiçoeiros e mortais. Não sabemos rodar três, cinco, dez vezes para encontrar a posição ideal, pois arrogantemente obedecemos aos vis instintos e obrigamos os outros a dançar, mesmo quando não há música. Nunca admitimos simplesmente nos colocar aos pés de alguém: a lealdade, para nós, é determinada por interesses escusos e nem sempre óbvios ou obviáveis. Nós nos enchemos de melindres quando o que queríamos mesmo era saltar no colo de alguma pessoa ou, pelo menos, ali deitar a cabeça. Não temos o impulso de proteger aqueles que nos são caros; apenas vamos tocando a vida para ver onde ela vai dar. Não sabemos amar, só aparentar que amamos. Não vivemos em um mundo cão; quem dera! Vivemos num mundo humano. Eu hoje chorei por um cachorro, mas também chorei por mim, chorei por você, chorei por nós...