Tuesday, February 02, 2016

Resenha: A Cabana

YOUNG, William Paul. A cabana. Rio de Janeiro: Sextante, 2008.

por Milton L. Torres

 Comecei a ler A cabana anteontem às 22h e terminei às 9h de hoje. Foi uma leitura intensa, realizada de um golpe só. Eu tinha bons motivos para ler o livro: minha filha o recomendara e havia encontrado, na internet, uma citação sobre perdão que alguém tinha tirado do livro e que tinha despertado o meu interesse. Gostei muito do livro. Com isso não quero dizer que o autor tenha conseguido escapar à tentação de ser sentimentaloide ao explorar temas tão melodramáticos quanto a fé religiosa, o perdão incondicional, o amor paterno e a esperança. Por outro lado, ele conseguiu me manter engajado e curioso. Em alguns momentos, algumas lágrimas até me escorreram pelo rosto.
 Para quem tem uma filha, é inevitável que o enredo nos prenda. Durante um acidente no rio perto de um acampamento num parque florestal, uma menina, Missy, é raptada e morta por um maníaco. Suas roupas ensanguentadas são descobertas em uma cabana abandonada, mas o corpo não é encontrado. Após quatro anos de uma tristeza profunda, Mack, o pai, encontra um bilhete na caixa de correio, supostamente de Deus, dizendo que deveria voltar à cabana para encontrá-lo.
 Mack volta à cabana para o encontro com Deus e, no tempo em que passam juntos, Deus lhe aparece como uma mulher negra com propensões culinárias, que se apresenta como Elousia ou, como era sua preferência, Papa, o nome pelo qual a esposa de Mack costumava se referir a Deus (conforme aparece na versão em inglês). Papa se faz acompanhar de Jesus e Sarayu, o Espírito Santo. O homem, não sem alguma relutância, se afeiçoa aos três personagens. Com isso, ocorre uma teodiceia, o esforço para provar a justiça de Deus diante dos fatos pertinentes à tragédia que havia vitimado a menina.
 Essa defesa de Deus se torna o grande desafio do autor. Seu sucesso só pode ser avaliado pelo fato de conseguir manter a atenção do leitor enquanto busca esse alvo. E isso ele consegue, entre outras coisas fazendo Mack caminhar sobre as águas com Jesus, dando-lhe a oportunidade de vislumbrar Missy brincando no céu com os sonhos dos irmãos adormecidos, dando-lhe a oportunidade de voltar no tempo para se reconciliar com o pai violento e, sobretudo, oferecendo-lhe a oportunidade de perdoar o brutal assassino de sua filhinha.
 O tema do perdão é tão importante quanto o da teodiceia. De fato, as frases mais profundas do livro revolvem em torno desse assunto: “perdoar não significa esquecer... significa soltar a garganta da outra pessoa” (p. 209), “talvez você tenha de declarar seu perdão uma centena de vezes no primeiro e no segundo dia, mas a cada dia serão menos vezes, até que um dia você perceberá que perdoou completamente” (p. 212). Perdoar o assassino se torna ainda mais difícil quando Papa mostra a Mack onde estava escondido o corpo de Missy. Mesmo assim, ele consegue.
 No final, Papa dá a Mack a opção de ir para o céu ou voltar para os familiares, que é o que ele decide. Na volta para casa, sofre, porém, um acidente na estrada que o deixa desacordado por vários dias. Durante a convalescência, Mack conta tudo ao melhor amigo, Willie, que é, de fato, quem narra o livro. Depois disso, Mack leva a polícia ao local onde o corpo estava e, com isso, os policiais conseguem localizar outras vítimas e prender o criminoso.
 Eu sei que outras pessoas conseguiram ver maldade no livro, uma agenda oculta e insidiosa capaz de deformar a imagem que têm de Deus e da Trindade. Confesso que isso nem me passou pela cabeça. O que vi foi o esforço inteligente e reflexivo de fazer sentido do sofrimento e da tragédia. Com certeza, Deus deve ser muito mais do que Young consegue imaginar. Se Ele for, porém, apenas o que Young mostra, já ficarei satisfeito. Como ele, estou convencido de que “não é da natureza do amor forçar um relacionamento, mas é da natureza do amor abrir o caminho” (p. 180). Além disso, gostei de imaginar que a sobremesa favorita de Jesus seja tiramissu (p. 186) e que Deus escute, com Seu fone de ouvido, a música de cantores que ainda não nasceram. “O tempo”, como eu acredito piamente, “não representa fronteiras para Aquele que o criou” (p. 159).
 No decorrer de sua narrativa, Young faz uma crítica pouco velada à religião institucionalizada e aos estereótipos: "religião, política e economia são ferramentas terríveis que muitos usam para sustentar suas ilusões de segurança e controle... Essas instituições, essas estruturas e ideologias são um esforço inútil de criar algum sentimento de certeza e segurança... É tudo falso! Os sistemas não podem oferecer segurança, só Jesus pode!" (p. 166). É compreensível que os que se beneficiam dessas coisas, usando-as para controlar as pessoas, se sintam ofendidos pelo livro. Em vez dessa reação cética, cínica e cáustica, o livro deveria infundir esperança. Afinal, ele prova que “se alguma coisa importa, todas as coisas importam” (p. 232).