por Milton L. Torres
Vivemos tempos difíceis. Parece que está se tornando
impossível a gente transpor barreiras pessoais e afetivas. Estamos encurralados
cada um em sua gleba, sem vontade de sair, sem apetite de viver. Em meio a essa
passividade crônica e aparentemente irreversível, nós nos odiamos e
desprezamos, nós nos distanciamos com um aceno leve da mão esquerda, sem constrangimento
nem reserva. Simplesmente ficamos lá, à deriva, bradando nossos credos e
filosofias artificiais. Por isso, estou convencido de que, se não houver uma
reforma radical no nosso modo de ver a vida, a tecnologia, as redes sociais e,
principalmente, um ao outro, nunca deixaremos nosso beco sem saída favorito:
nossa própria forma compenetrada de ser e pensar.
Sabe o que eu defendo? Temos que transpor nossa
obsessão pela monetarização da vida. Temos que sair do conforto de nossos
sapatos engraxados e pôr o pé no chão! Trocar o virtual pelo real e tangível. É
preciso deixar a fila indiana para caminhar lado a lado, de mãos dadas,
abraçados. E eu não estou falando de política, a arte de fingir interesse por
outra coisa que não o próprio bolso. Estou falando da vida na rua, nos
supermercados, nos engarrafamentos, nos salões de festa, nas igrejas, nos
bares, em qualquer lugar onde haja gente, até no deserto do Atacama!
Quem me conhece sabe que não tenho a reputação de ser
politicamente correto. Então, não entenda essas minhas palavras como tendo a
intenção de parecer polido ou civilizado. O que eu quero, como sempre, é agitar
as águas, quebrar o marasmo! Temos que abandonar o chavão de que não importa
quão estúpidas e tolas sejam as nossas decisões, porque, no final das contas,
elas vão todas contribuir para o nosso bem. Já faz tempo demais que somos
guiados por convicções chauvinistas, oportunistas, capitalistas! Por que não decretar
uma ecclesiazusae universal e ceder
aos reclamos de quem tem, de fato, condições de nos mostrar a famigerada luz no
final do túnel? Não, não estou fazendo nem média, nem comédia. Estou falando sério. Da minha
parte, estou disposto a lutar para que as mulheres dominem o mundo. Convencido
como estou de que sua sensibilidade e sensatez nos tirariam das águas
pantanosas em que caminhamos agora, proponho a entrega incondicional de nossos
sentimentos, anseios e preocupações ao cuidado de quem mais se importa conosco.
Não é porque a Dilma não está fazendo um bom governo que vou deixar de insistir
na minha ideia. O problema da Dilma é que ela se vendeu para o outro lado,
deixando de confiar em seu infalível sexto sentido feminino. Em vez disso, ela
confia agora em conchavos políticos, transações clandestinas e retórica vazia.
Eu quero lhe dar quatro razões que explicam por que
estou convencido de que as mulheres deveriam governar o mundo. Se você tiver
paciência e boa memória, não duvido que você também chegue a essa bem acertada conclusão.
A primeira razão se chama Leonina. No meio século da minha existência, não
encontrei outra pessoa igualmente merecedora do título, pois o nome era mais do
que um nome; era uma descrição, um epítome! Mangas sempre arregaçadas numa
imbatível disposição para o trabalho, ela falava com a confiança absoluta de
que estava sempre certa. E estava! Se fôssemos apenas mais dóceis e tivéssemos consentido
em pautar a vida por suas decisões, teríamos sido felizes. Não fomos. Nem
dóceis, nem felizes. Mas ela exsudava esse ar soberano de quem vê adiante na
estrada, de quem conhece o terreno, de quem se dá conta de que tem forças mais
do que suficientes para vencer o próprio demônio ou todas as suas legiões de
criaturas ameaçadoras. Não pestanejava hora alguma, sorria com facilidade e, se
fosse necessário, rugia. Nesses momentos, escondíamo-nos todos, filhos e netos,
debaixo da mesa ou nos recolhíamos todos à insignificância de nossa vida sem
convicção, desejando apenas que, um dia, pudéssemos ser um reflexo daquela
grandeza bruta. A primeira razão é a força.
A segunda razão se chama Milta. Agora falamos de um
tipo completamente distinto de força: a da suavidade grácil de ares marotos, mas
sinceros, a capacidade de imaginar vidas, lendas e circunstâncias que a impelia
a voos rasantes de (in)felicidade, numa alternância criativa em que a única
adesão que não esmorecia nunca era sua vocação para o amor irrestrito e fácil,
abundante e gratuito. Em sua tristeza ocasional ou alegria singela, influenciava
a natureza, a vida, o ritmo das coisas e, como uma Schneewittchen da vida real,
nos inspirava ou com o silencioso canto da alma ou com visões de bem-aventurança
eterna e permanente. Se os ventos não lhe obedeciam, ela inventava novos. Se o
dia amanhecia tenebroso, ela o enchia de expectativa e fé. Seu condão era o
sorriso alvo e delicado nas feições de um afeto imperturbável. Jamais me
desmanchei tanto diante de um riso. Jamais me aproximei de outro poço tão
generoso. Jamais desejei tanto o poder de reciclar o coração como se fosse
apenas um apêndice espontaneamente regenerado quando alguém, por má fé ou
indiferença, não se incomoda em destruí-lo e esmagá-lo. A segunda razão é a sensibilidade.
A terceira razão se chama Tania, sem acento. Nela,
encontro a mão que segura a minha mão, na hora da cobrança de pênaltis, quando
o campeonato vai ser decidido, na hora em que o espinho de uma rosa ou outro arbusto
qualquer me atravessa a unha e, provavelmente, na hora em que o último raio de
luz me fizer apertar os olhos espantados e tristes, na hora do angelus. Nela,
encontro o ombro no qual me apoio quando me faltam pernas e as granadas
assobiam à nossa frente, quando me falta a coragem para dar mais um passo
porque os meus monstros se posicionaram, estrategicamente, à minha frente e à
minha volta. Seu beijo promete, nessa mesma hora, um sopro de vida, a lufada de
ar que prolonga, desde então, o nosso destino, conferindo-nos a imortalidade desse
grande amor, dessa devoção completa, dessa entrega final. A força da presença deliberada,
o vulto que me acompanha na viração do dia e na alvorada, esse comparecimento definidor
me molda e me alça além da estatura que me caberia, que me contentaria, que me
limitaria. A terceira razão é o amor.
A quarta razão se
chama Krícis, essa incógnita absoluta que me intriga mais do que as outras
razões, que se debate no meu colo, enquanto sorve o ar cada vez mais rarefeito
e elevado, perfeito. Anima, ao mesmo tempo, um segredo doce, sussurrado por
vozes abafadas e veludosas, que apontam suavemente para a direção determinada.
Essa força discreta me toma pelo colarinho, pelo pescoço ou pelas mangas da
camisa, como se em um ringue de almofadas e tapetes aconchegantes, e me obriga
a ver, a compreender e a capitular. Na resistência fútil com que enfrento seus
caprichos geniais e a paixão que ela mesma não consegue conter, vejo um reflexo
invertido, mas nem adverso nem antagônico, que projeta, duplamente ao avesso, a
minha própria imagem. Essa ingenuidade tensa e resoluta ainda há de salvá-la e
há de me salvar também. A quarta razão é a simplicidade, na forte inclinação
para alcançar o que se deseja e na indicação exata do que deve e precisa ser
feito.
Como você vê, eu
tenho razões de sobra para querer que as mulheres dominem o mundo. Se você não
tem essas razões, só posso lamentar por você. Se você as tivesse, saberia o que
está perdendo, compreenderia sua carência e destituição. Se você as tivesse,
talvez desertasse, sumária e irrevogavelmente, para o meu ponto de vista. O que
me resta a fazer é desejar que você encontre essas razões. Quando as encontrar,
não precisa esperar um decreto governamental ou uma nova constituição. Não
precisa aguardar a oficialização desse novo estado de coisas. Simplesmente faça
como eu. Aja como se o mundo já fosse governado pelas mulheres e, com um
sorriso e uma prece, agradeça a Deus por essa iluminação.