Milton
L. Torres
Eu
fui precoce na minha adolescência. Desde aquela época, meu desejo era encontrar
a moça certa e, com ela, constituir família. O problema é que eu era tímido.
Morando no subúrbio de Belo Horizonte, a melhor forma de conhecer uma moça era
frequentar os bailes do bairro, e era isso que eu fazia. Eu me arrumava da
melhor forma que podia, ia periodicamente para os bailes e observava as
pessoas, mas sempre me faltava coragem para me aproximar de uma moça e
convidá-la para dançar. Sem essa coragem, minhas chances eram mínimas e eu
ficava ali, no canto, torcendo para que alguma delas, alta ou baixa, bonita ou
feia, se aproximasse de mim e me
convidasse para dançar. Mas isso nunca aconteceu. Nenhuma vez. Never ever! Talvez, por isso, hoje tenho
uma imensa satisfação quando alguém me convida para dançar.
Não,
eu não virei dançarino. Estou falando metaforicamente. Considero como convite
para dançar toda vez que uma pessoa discorda de mim. É minha oportunidade de
interagir, expressar minhas ideias, falar de minhas emoções, de certezas e
incertezas, de movimentos cadenciados e estéticos, de arte e técnica. Quando
alguém discorda de mim, não me aborreço, nem me ofendo. Não me descabelo. Os
olhos brilham, o sorriso se estampa no rosto, e começo os meus movimentos,
ensaiados e precisos ou espontâneos e instintivos. Às vezes, me esqueço do
tempo e do espaço. O foco de minha atenção recai inapelavelmente na escolha das
palavras e no prazer de ser diferente, pensar com meus próprios neurônios e
assinar, com letras garrafais, o meu próprio nome.
Assusto-me,
ocasionalmente, quando percebo que os outros se sentem atropelados. Detesto ver
suas fisionomias carregadas, os lábios apertados e a fronte sisuda e pouco
amigável. É como se marcassem o passo com um pé esquerdo cafifento e intrometido
que insiste em me pisar um dos pés, na falta do cruzado de direita que poria
fim a minha alegria e tagarelice. Dizem que também o boxe é uma dança. Mas não
sou pugilista. A minha agilidade se resume ao compasso da fala. Não são
estocadas, nem golpes as palavras que uso, mas rodopio e coreografia. Sua
intenção é o sensível e o razoável. Seu desígnio e finalidade é o plausível, o
imaginável, o presumível!
Se
você me convida para dançar, presumo que goste, que queira, que lhe apeteça.
Vou logo lhe tomando a mão, os braços, a cintura, no balé das palavras, no
ritmo de nossa sintonia. Por um momento, nos tornamos namorados nos argumentos,
amantes nas ideias, afeiçoados no pensamento. E me enlevo tanto, que sou capaz de
só lhe soltar a mão, os braços e a cintura, quando estivermos extenuados de mil
rodopios e contradanças. A menos... a menos que, como me fez a primeira moça
que convidei para dançar uma quadrilha, a razão de meu trauma adolescente, você
fique vermelho de pudor e, com um muxoxo, se despeça com um tapa, bem dado, no
meu rosto encabulado.