Ser
professor é a tarefa mais difícil do mundo, pois nenhum outro emprego exige que
nos afeiçoemos às pessoas para, três, quatro ou cinco anos depois, termos essas
mesmas pessoas separadas de nós de forma abrupta e, quase sempre, definitiva.
Há casos, como o dos enfermeiros, em que genuína afeição acontece, mas por
pouco tempo. Não se criam laços, imagino, e as raízes dessa afeição podem ser
ternamente arrancadas do terreno fofo em que estiveram plantadas por um
intervalo minúsculo de tempo. Com os professores é diferente. Os laços se
estreitam, se apertam, se misturam, se entretecem de maneira tão definitiva que
é só com sangue que se desfazem, com lágrimas!
Turma de
tradutores e intérpretes de 2017, não quero incomodá-los com os sentimentos de
saudade que vocês tão despretensiosamente nos impõem hoje. Afinal de contas, a
ocasião exige um espírito mais alegre, um vislumbre mais venturoso do futuro e
da vida! Não estamos aqui para lamentar
essa cúmplice proximidade que, sob Deus, nos uniu para sempre, mesmo à
distância de milhares de anos-luz, mesmo sob os escombros debaixo dos quais
enterramos hoje esses sentimentos de falta e perda! Pelo contrário, estamos
aqui para celebrá-los. Estamos aqui para celebrar que não serão mais forçados a
fazer nenhuma interpretação sob o crivo de um professor dedicado, mas exigente.
Estamos aqui para celebrar sua vitória na impecável, ou quase impecável, apresentação
do TCC. Estamos aqui para celebrar o fim de projetos integradores e provas
interdisciplinares que portam o exótico nome de uma velha tia rabugenta!
Estamos aqui para celebrar que não precisarão entregar nem mais uma linha para
a Ana Schäffer, nem mais um memorial para a Tania Torres. Estamos aqui para
celebrar que não terão que cantar nem mais uma música para o Édley, não terão
que representar nem mais uma peça de literatura brasileira, portuguesa,
inglesa, norte-americana ou grega! Não terão!
O que
vocês terão que fazer, doravante, será muito mais complexo e desafiador. Vocês
se emaranham hoje nesta impenetrável, inquebrantável, inesquecível teia de
sentimentos e sonhos. Resta-lhes, a partir de hoje, um único professor: a vida!
Resta-lhes, a partir de agora, uma única prova: o caráter! Resta-lhes, a partir
de agora, um único olhar em direções comensuráveis: para frente, para o alto,
para dentro, para o amanhã. Não há como prever quantos viverão, quantos
sobreviverão, quantos serão, de novo, amados e quantos amarão. Só posso, ao
invés de lhes dar essas garantias, convidá-los a olhar para trás toda vez que
forem tentados a ceder à dúvida. Lembrem-se do orgulho com que cada professor
os observa hoje. Lembrem-se do meu tom de voz. Lembrem-se! Porque, ainda que se
passe uma eternidade até o nosso próximo encontro, seus nomes agora têm
significado: Marina, Débora, Giovana, Naty, Vítor, Hanna, Karina, Luma, Laíza,
Alexandre, Benjamin, Viviane, Thaís, Évelyn e César. Essas palavras deixaram de
ser meros hipocorísticos, como diria a Naty, e se transformaram em nomes
mágicos, abre-te-sésamos da minha vida.
Obrigado
por vocês existirem. Obrigado por vocês terem trazido riquezas incalculáveis
para a vida no aquário. Obrigado por vocês tangerem, hoje, tão profundamente as
cordas que embalam o nosso sonho, que é, principalmente, ter-lhes ofertado de
volta um pouco do muito que vocês nos concederam com seus sorrisos, olhares,
gestos, perdões e, acima de tudo, sua atenção benevolente. Sentimos que, de
modo estoico, vocês se esforçaram para ouvir nossas historietas, essas bravatas
e lugares-comuns com as quais entupimos seus ouvidos e mentes. Vocês nos
fizeram sentir importantes. Isso só demonstra sua nobreza e aptidão para o bem,
herança certa e líquida da educação que receberam em casa.
Vocês
vão agora e levam consigo um pedaço grande do nosso coração, provavelmente os
250 gramas que o Mercador de Veneza recomenda. E nós, professores e amigos,
ficamos aqui para viver a vida com os 50, 60 gramas de coração que nos restam.
Não precisam inventar novas tecnologias, não precisam fazer propaganda
enganosa, não precisam descobrir a cura do câncer, não precisam ficar
milionários antes dos quarenta anos de idade nem serem os primeiros astronautas
a colocar os pés em Marte. Não precisam. Podem até fazer essas coisas. Mas não
precisam. Considerem esse volume do nosso coração como um empréstimo, a peso de
ouro, cujo pagamento exige apenas uma coisa: que vocês sejam felizes!