Saturday, February 18, 2017

O que é viver?

por Milton L. Torres

Pare e pense: o que é viver? Quais são as coisas que faço que me deixam ter a certeza de que estou vivo? Comer? Namorar? Andar de bicicleta? Dançar? Beber? Fumar? Comprar uma dúzia de ovos no supermecado? Será que uma dessas coisas prova mesmo que estou vivo? Será que todas elas juntas provariam isso?
O que é um dia perdido? Um dia em que não comi, não namorei, não bebi, nem fumei? Quais são os ingredientes necessários em 24 horas para que, no final do dia, eu possa dar um soco no ar e dizer: - Hoje eu vivi!?
Ou será que a vida é definida pelos negativos? Eu estou vivo porque não tenho doenças, não estou sofrendo, não estou na cadeia, não quebrei a perna, não estou de luto, não arranquei um dente e, por todas essas razões, eu posso me esbaldar na vida...
Ou, aliás, será que a vida é definida pelos picos de êxtase? Será que eu preciso de uma tonelada de adrenalina para que tenha a impressão de ter vivido bem o meu dia? Montanha russa, arranha-céu, a rasante no helicóptero, a escalada do Evereste, a disputa de pênaltis, shoplifting, a curva a 120 km por hora...
Quantos dias você já perdeu na vida? Se é que já perdeu algum! Uma vez mesário nas eleições? Duas ou três tentativas na prova do ENEM? Um dia inteiro tentando marcar uma consulta? Uma semana inteira de cama? Três meses com a perna engessada? Uma vez por ano fazendo a declaração do imposto de renda? Uma hora por dia preso no engarrafamento? Oito horas por dia dormindo... Você está mesmo vivo nessas horas?
Será que a gente precisa viver cada dia diferente? Será que conta como vida viver o mesmo dia várias vezes? Do mesmo jeito, nas mesmas condições, no mesmo lugar, com as mesmas pessoas, respirando o mesmo ar, vendo o mesmo céu, fazendo as mesmas coisas? E aí? A minha vida é o que eu faço ou deixo de fazer? A minha vida são as pessoas com quem eu COM-VIVO? A minha vida é o que me dá prazer? A minha vida é o que me dá sentido? Talvez sua resposta seja diferente da minha. Afinal de contas, não somos a mesma pessoa, nem temos a mesma vida. Não sei como você computa seu grau de satisfação com sua vida, com os dias que você está vivendo. Qual é a sua unidade de contagem? O número de banhos que você toma por dia? A quantidade de dinheiro que gasta ou ganha? O número de refeições? Quantas vezes você faz sexo? Quanta gente nova você conhece? Quantas ordens você dá? Quantos olhares de inveja você recebe? Tudo isso? Nada disso? Eu só fico aqui imaginando...
Eu não sou de Marte. Eu sei o que é respirar com prazer o ar que me mantém vivo. É isso! As coisas simples é que conto no meu cômputo de satisfação com os meus dias, com a minha vida. O arroz dormido que tiro da geladeira e esquento. O suor da caminhada banal até o trabalho. O copo d’água frio e refrescante. Uma ou duas pessoas que me olham todo dia como se eu fosse a pessoa mais importante deste planeta. O esconderijo no qual me refugio para ficar a sós e apreciar, devidamente, qualquer pequena surpresa que me faça o coração saltar. E como salta o meu coração!





Saturday, February 11, 2017

Cabanas do Alasca

Eu fui missionário no Alasca e escrevi um livro sobre minha vida naquele lugar inóspito de invernos rigorosos. Uma coisa que não pus no livro, mas deveria ter posto, é a descrição das cabanas do Alasca. Ali, as pessoas não compravam simplesmente uma casa. Na época em que vivi no Alasca, esperava-se que o dono construísse a própria cabana, geralmente de madeira e, à semelhança de uma palafita, elevada acima do terreno para que o calor dela não derretesse o chão de permafrost, uma mistura de gelo e terra.
Um verdadeiro morador daquela região gelada sentia uma empáfia difícil de conter quanto ao resultado confortável de seus esforços de construtor. E, mais do que isso, sentia orgulho do fato de que as portas nunca eram trancadas e de que havia sempre um aviso, em placa elegantemente pintada, em papel de caixa improvisado, em madeira ou em latão, mas sempre visível, que dizia: “entre, use o que precisar e deixe tudo como encontrou”.
É que as pessoas daquele lugar virtualmente abandonado por Deus tinham a plena consciência de que a vida fora de algum abrigo providencial não se sustinha por muito tempo. O inferno gelado invadia e entorpecia os membros, a cabeça e os órgãos internos. Era como se, o tempo todo, cortejássemos a morte. Em uma questão de minutos, perdiam-se a compostura e a vida. Por isso, essa hospitalidade forçosa, infalível, inapelável.
         O que eu aprendi no frio debilitante do polo norte é que as pessoas deviam ser como cabanas do Alasca. Um encontro com o outro é como uma reação química que produz calor e energia. Quem dera se, em nossos encontros, o outro abrisse a porta do nosso coração para nele se esquentar sob a temperatura afável de sua lareira, deixando, então, tudo como encontrou. Afinal de contas, o mundo lá fora é hostil e traiçoeiro. Só o aconchego de um coração terno pode nos proteger do vento frio que sopra por toda parte, dos vendavais e tempestades, das nevascas, geadas e granizo, da vida! Da próxima vez que você ouvir os uivos do temporal que se aproxima, experimente fazer-se de cabana para quem estiver sob ameaça da borrasca. Provavelmente, o calor desse encontro será suficiente para aquecer a ambos...





Quatro conselhos para os corações desenganados e cambaleantes

por Milton L. Torres

Alguém já decepcionou você? Já deixou você para trás e foi embora sem nunca nem se voltar para ver como você ficou? Você ainda sofre com isso? Sabia que só depende de você a decisão de mudar e não mais sofrer com os desapontamentos da vida?
A Bíblia diz, em 2 Coríntios 5:17, que “quando alguém se torna cristão, vira uma pessoa totalmente nova. Já não é mais a mesma pessoa, pois tem início uma nova vida”. O que muita gente não entende é que essa declaração não é uma exigência, mas uma promessa. Deus não exige, pura e simplesmente, que reformemos toda e qualquer coisa em nossa existência porque Ele entende que a vida que vivemos, sem Ele, é uma vida de quebrantamento em que nos deparamos o tempo todo com promessas quebradas e corações partidos. Por isso, Ele não manda, mas sugere que optemos por uma vida em que essas coisas não mais perdurem.
Embora não o exija, Deus espera que experimentemos transformação, pois Ele sabe das coisas. Ele nos observa e vê que podemos ter vidas melhores. Podemos juntar os cacos de nossa existência depauperada e triste, e viver uma vida sem medos e lamentações mórbidas. Por isso, Ele nos dá essa opção. Ele sabe que somos capazes de aprender e, se conseguimos aprender, é porque podemos também mudar. Ele entende que sofremos e, se estamos sofrendo, Ele sabe que vamos querer mudar. Por isso, Ele nos ajuda. Mas a decisão é nossa. Podemos optar por uma contínua rotina de sofrimento e prostração ou decidir que as pessoas não podem mais nos magoar porque não mais lhes damos esse poder, essa capacidade.
Quatro conselhos que podem fazer a diferença em sua experiência como ser vivo no planeta Terra: ame a quem ama você! ajude a quem precisa de você! perdoe a quem já magoou você! esqueça-se de quem deixou você! Eu sei. Meus conselhos não soam tão nobres e espirituais quanto os preceitos do sermão do monte. Parecem até o resultado do desejo de autopreservação. Não se engane. Só estou tentando dizer a mesma coisa de uma forma mais suportável para nosso coração desenganado e cambaleante. No final das contas, não se exige nada de nós a não ser o amor: por Deus, pelo próximo e por nós mesmos.




Steve Jobs e a autenticidade da vida

por Milton L. Torres

No dia 12 de junho de 2005, Steve Jobs fez um discurso de formatura na Universidade de Stanford que já se tornou um clássico. Não sou especialmente fã de Steve Jobs nem vou repetir o discurso. O que me afasta da Apple não é, porém, o seu CEO, mas o esnobismo de muita gente que usa os seus produtos. Mesmo assim, vou me ater a uma frase na qual Jobs expressa uma grande verdade. Ele disse (abro aspas): Seu tempo é limitado. Não perca tempo vivendo a vida de outra pessoa. Não se deixe prender pelo dogma. [E ele, então, dá sua definição de dogma: viver a vida segundo o raciocínio alheio...] Tenha coragem de seguir o próprio coração (fecho aspas). Ele tem razão. Não vale mesmo a pena viver uma vida pautada nas opiniões dos outros.
A fala de Jobs me lembra um poema de Walt Whitman, a quem estimo e admiro muito mais. Abro aspas de novo: O que você deve fazer é amar a terra, o sol e os animais; menosprezar as riquezas; dar esmolas a quem pedir; proteger os tolos e os incapazes; dar parte de seu tempo e renda ao próximo; detestar tiranos; nunca brigar por causa de Deus; não tirar o chapéu para nada, nem ninguém; ficar à vontade entre os poderosos, os sem-cultura e as mães; reexaminar tudo o que você aprendeu na escola, na igreja ou nos livros e abrir mão do que insulta a alma (fecho aspas).
Não vou tentar interpretar essas falas para você. Não é preciso. Mas existe sim uma relação entre o que Jobs e Whitman disseram e a forma como encaramos nossos dias, um após o outro. Não viver dogmas e abandonar o que insulta a alma são gestos equivalentes, postura de quem quer assumir responsabilidade pelas próprias decisões, pela própria vida. Tenho a impressão de que Jobs nunca foi verdadeiramente feliz. Nesta vida, não existem garantias para a felicidade. Mesmo um homem tão bem sucedido profissional e financeiramente pode chegar vazio ao final de sua existência. Aliás, as pessoas podem ser felizes e, então, morrer, mas ninguém morre feliz. Isso não impede, porém, que aproveitemos a sabedoria que essas pessoas coletaram ao longo da vida. Whitman e Jobs sugerem que a forma mais significativa de viver é a autenticidade. Espero que cheguemos lá! Eu e você.




Tuesday, February 07, 2017

O aniversário de um filho

por Milton L. Torres

O aniversário de um filho é a celebração da propagação da vida, que se alastra e contagia a casa, a natureza, o mundo... É um reacender de esperanças, um alçar voo para além do confinamento de dias corriqueiros e monótonos, cobrindo de purpurina e brilho o que nos resta de nossos sonhos e aspirações. É a oportunidade para interromper a corrida louca das horas para perceber que nossa existência produz frutos que valem a pena semear, cuidar e colher.
O aniversário de um filho é nossa elevação à condição de seres perenes, cujo reflexo não desaparece no tempo, mas teima em reaparecer nos gestos banais, no sorriso inesperado, no olhar, na fala, no andar e no jeito de encolher os ombros ou esticar os braços. Quando essas coisas nos surpreendem, nós compreendemos o segredo da vida e nos contentamos com os poucos anos que são concedidos a cada geração, pois sabemos que, de uma forma ou outra, nossa mortalidade encontra seu cumprimento no próprio amor que dedicamos aos gestos banais, sorriso inesperado, olhar, fala, andar e jeito de encolher os ombros ou esticar os braços daquele cujo aniversário festejamos com alegria tão grande quanto a do nascimento...
Tente imaginar a vida sem aniversários! Você terá que pensar na vida das criaturas de Deus que não medem o tempo. Nem pássaros, nem cães, nem bois... só os seres humanos comemoram o momento glorioso de sua passagem anual para situações mais enigmáticas e desafiadoras, de sua iniciação à vida e aos mistérios do envelhecimento. Ao mesmo tempo, só nós podemos sucumbir ao medo paralisante que nenhuma outra criatura sente: o medo de que o tempo vá acabar! Mas não no dia do aniversário de um filho. Nesse dia, não há medo. Nesse dia, não importa se passaremos ou não, pois haverá alguém lá, alguém cuja contínua existência é mais importante e preciosa para nós do que nossa própria sobrevivência e destino.
De fato, no aniversário de um filho, perdemos todos os receios: de morrer de câncer, de virar vegetais, de viver à pálida luz de uma enfermidade ou de não ter coragem de viver a vida que desejamos. Não importa quão ocupados, quão cegos, quão alienados, quão entediados, nesse dia, paramos e fazemos nossas preces. Lançamos ao vento o punhado de areia que tínhamos na mão, apostando em uma longa vida, com momentos de felicidade e fartas ocasiões em que poderemos dizer: - Feliz aniversário, filho!