por Milton L.
Torres
Chegamos a um
momento decisivo de nossa vida. Um ano de formatura. Um ano de pandemia. Um ano
de afastamento. Um ano perdido? Não. Eu passei este ano escrevendo poesia, pois
este foi um ano de sentimentos, intenso talvez como nenhum outro dos três,
quatro anos que vocês passaram nesta Instituição. Separados pela parede erigida
na tela do computador, às vezes eu tocava os tijolos duros e secos na esperança
de me sentir mais próximo de vocês. A separação mais inafável da história do
UNASP, longa, demorada, interminável, sufocante. Mas vocês resistiram a ela com
bravura e serenidade.
Cinco
explicações do que significa a sua formatura para nós professores do UNASP
1. Para nós,
formar-se significa entrar em forma e vocês entraram em forma, senão física,
pelo menos social, intelectual e espiritualmente.
2. Formar-se
significa adquirir resiliência. Isso quer dizer que, se alguém ou alguma coisa
quebrar o seu coração, vocês sempre serão capazes de reconstituí-lo numa forma
ainda melhor: mais humano, mais tolerante, mais sábio, mais decidido e,
especialmente, mais amoroso.
3. Formar-se
significa que a história de sua vida está assumindo uma forma: uma forma de
sucesso, uma forma de narrativa; não é mais só uma promessa, agora é um enredo
completo do qual vocês são os protagonistas, heróis e heroínas.
4. Formar-se
significa ser capaz de moldar o seu espaço no mundo, na academia, no mercado,
na vida. Algumas pessoas são capazes de prever o futuro. Vocês agora farão
muito mais do que prever. Vocês serão capazes de moldar o futuro, criando um
devir muito mais justo e acolhedor para todos nós.
5. Formar-se
significa que vocês criaram uma forma geométrica em nossa vida: um círculo ou
um cubo que estará doravante sempre vazio, a não ser quando vocês nos visitarem
e sua forma preencher o vazio que vocês deixam no UNASP e no nosso coração. E
não pensem que alguém que chegue conseguirá preencher esse espaço cardial que
lhes pertence de agora em diante e para todo sempre. Temos muito orgulho de
vocês!
Não gosto de
comparar gerações: X, Y, Z. Tudo isso não passa de uma confusão de letras com a
qual os que se arrogam o direito de arquitetar o nosso futuro tentam nos
impressionar e, por isso, eu lhes peço: não se deixem definir por uma letra.
Não acreditem quando estranhos, atrás de uma tela de computador, lhe digam que
vocês são isso ou aquilo. Creiam apenas naqueles que lhes olham nos olhos.
Creiam em seus pais, familiares e amigos. Creiam em mim! Sua formatura em meio
à pandemia foi o desafio supremo que vocês superaram para provar o valor de sua
geração: o sangue frio, a determinação, a resiliência. Nenhuma letra pode
recuperar essas qualidades. Nenhuma letra pode lhes fazer justiça. Vocês são
muito mais do que um apêndice no final do alfabeto. Além disso, vocês não são
réplicas fotocopiadas uns dos outros. Cada um de vocês é um tipo diferente de
ser humano: espantoso, surpreendente, irresistível.
Neste ano de
pandemia, eu não fiquei só escrevendo poesia. Eu também li muita poesia. Eu,
por exemplo, li toda a antologia poética de Cecília Meireles, graças ao fato de
que o Prof. Davi Oliveira me legou alguns de seus livros, os melhores, que
agora estão orgulhosamente acomodados na minha biblioteca. Nesses livros, eu
escrevi o meu nome logo abaixo do dele. Foi nessa leitura que descobri que
Cecília Meireles tem um poema intitulado “Estudantes”. O poema não é todo bom,
pois acontece, às vezes, que a inspiração vem de modo desigual. Mas considero
instigantes os últimos versos. De fato, pensei em vocês quando os li:
nas mãos, com ideogramas de dança,
levantam cadernos, esquadros,
num bailado novo:
e medem a vida
e descrevem o universo.
Que mundo construirão?
Obviamente, vocês não mais carregam cadernos e esquadros. Hoje vocês levam celular e mochila. Mas os ideogramas de dança são os mesmos, o bailado continua novo e vocês continuam medindo a vida e descrevendo o universo. Eu não sei exatamente o que Cecília Meireles quis dizer com esses versos. Tenho algumas ideias, mas não tenho nenhuma certeza definitiva quanto aos seus significados. Porém, eu sei o que eu quero dizer quando elejo esses mesmos versos como desculpa para abrir o coração para vocês, aqui, diante de tantas pessoas conhecidas e desconhecidas. Os ideogramas de dança e o bailado novo representam o modo como vocês são capazes de criar um ambiente festivo nesta escola e na nossa vida. Eu tenho pena dos professores cuja única experiência se resume à comunicação tele-apática das aulas síncronas. Eles nunca vão saborear o elemento festivo que sua presença cria diante dos nossos olhos arregalados e de nosso rosto boquiaberto: a luz, o brilho, a vida, o amor. Esses elementos festivos que vocês acrescentaram à minha vida nestes últimos três ou quatro anos me deram coragem para continuar vivendo e enfrentando os obstáculos que arrastam a educação para horizontes cada vez mais distantes do ideal primitivo da verdadeira formação humana. Assim como chegou a vez do Prof. Davi, de quem vocês foram a última turma, e da Prof. Sônia Mastrocola e da Profa. Tânia Siqueira e da Profa. Ana Schäffer e do Prof. Joubert Perez, desejo que, quando chegar a minha vez, eu tenha a fortuna de me despedir de uma turma que tenha uma noção ao menos pálida do afeto, respeito e consideração com os quais vocês brindaram os educadores que passaram por seu caminho nestes anos de convívio. Nós podemos ter-lhes ensinado as letras, os sons, as traduções, essas bagatelas com que tentamos impressioná-los nas nossas aulas, mas vocês nos impressionaram muito mais com seus olhinhos atentos e brilhantes, sua ingenuidade nem sempre delicada, sua docilidade inesperada, sua espontaneidade e irreversível flexibilidade diante dos problemas e desafios, sua capacidade de construir portas, saídas, esconderijos, pontos de encontro, naves espaciais, jardins floridos e mil e duzentos outros elixires e poções tonificantes. Sim, sua capacidade de construir o que não conseguimos mais. Cecília Meireles, no último verso de seu poema, indagou: “Que mundo construirão?” Eu não tenho a menor ideia... Eu não sei que mundo é esse que vocês vão construir... Mas de uma coisa eu sei: se forem vocês as construtoras e os construtores, se vocês estiverem nesse mundo, eu também quero estar nele. Vocês são o que há de melhor no mundo de hoje e, se forem vocês a construírem o mundo de amanhã, os ideogramas da nossa dança continuarão empolgantes, o nosso bailado vai continuar novo e vamos continuar medindo a vida pelo ritmo universal do coração. Agradeço a Deus por vocês fazerem parte de nossa vida e peço a Ele que os conduza na jornada que vocês estão prestes a iniciar, pois hoje não é um fim, nem mesmo um final feliz. Hoje é um início, um início feliz!