Não fique triste comigo.
Fique triste com a seca, o chão rachado,
a falta de sincronia dos relógios biológicos de todos os que
vivem separados por abismos de tempo e espaço.
Fique triste com a noite quente
que não permitiu outros movimentos senão o estalido de
lábios secos de sede,
do mesmo jeito que fico triste por que o vento tocou apenas
de leve a borda de um vestido perfeito,
levando para longe o cheiro doce, quase enjoativo, de um
momento feliz.
Fique triste com a vida sem graça de quem depende de um
gesto, um balbucio de esperança,
do mesmo jeito que fico triste por não acender a vela que
seguiria brilhando no breu tenebroso em que me encontro agora,
o breu insuportável que encheu meus olhos depois da visão
que tive.
Não fique triste comigo.
Só tenha pena que os relógios não deixaram, não puderam, não
acertaram
a hora de me conceder um brilho de armadura reluzente.
Não fique triste comigo.
Fique triste com o inquilino egoísta que insiste em morar
sozinho no coração solitário de todos os que não recebem cartas,
por mais escassas que sejam,
para lhes dizer que há correspondência.
Não fique triste comigo;
fique triste comigo.
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