Wednesday, November 13, 2019

My First Goose (“Meu Primeiro Ganso”) por Isaac Babel


Traduzido para o inglês por Peter Constantine
Traduzido para o português pelos alunos do curso de Tradutor e Intérprete do UNASP
sob a supervisão do Prof. Milton L. Torres


Savitsky, o comandante da sexta divisão, se levantou, quando me viu, e eu fiquei espantado pela imponência de seu corpo gigantesco. Ele se levantou, com suas bombachas roxas que dividiam a cabana em duas assim como uma bandeira divide o céu; a boina carmesim estava inclinada para o lado e as medalhas pregadas no peito. Exalava perfume e um enjoativo frescor de sabão. Suas pernas compridas se assemelhavam a duas garotas coladas uma na outra pelos ombros com botas de montaria.
Ele sorriu para mim, bateu com o chicote na mesa e pegou o memorando que o chefe da repartição havia escrito. Era um pedido para Ivan Chesnokov avançar para Chugnov-Dobryvodka com o regimento sob seu comando e, quando encontrasse o inimigo, o destruísse imediatamente. "Por essa destruição", Savitsky começou a escrever, enchendo toda a folha, "considero o próprio Chesnokov o completo responsável. Seu descumprimento vai implicar nas medidas punitivas mais severas; em outras palavras, vou lhe dar um tiro ali mesmo. Desse fato, camarada Chesnokov, tenho certeza que você não vai duvidar, já que faz bastante tempo que você trabalha comigo na linha de frente.
O comandante da Sexta Divisão assinou a ordem com um floreio, jogou-a para o ordenança e voltou os olhos acinzentados para mim, que dançavam de alegria.
Entreguei-lhe o documento referente a minha transferência para a repartição daquela divisão.
“Cuide da papelada!” disse o comandante da divisão. “Cuide da papelada e certifique-se de que esse homem se voluntarie para todas as diversões, exceto as do tipo frontal. Você sabe ler e escrever?”
"Sei", respondi, morrendo de inveja da força e do vigor da sua juventude. "Eu me formei em direito na Universidade de Petersburgo." "Então você é um daqueles almofadinhas!", ele gritou com uma gargalhada. "Com óculos no nariz! Ah, sua criatura miserável! Eles mandam essa gente para cá e nem perguntam se queremos! Aqui você leva porrada só de usar óculos! Então, você acha que pode viver com a gente, ein?" "Sim, acho", respondi e fui à vila com o intendente a fim de procurar um lugar para ficar.
O intendente carregava a minha maleta nos ombros. A rua da vila estava diante de nós, e o sol poente, redondo e amarelo como uma abóbora, dava seu último fôlego rosado.
Chegamos a uma barraca com guirlandas pintadas. O intendente parou e, de repente, sorrindo com culpa, disse: “Cara, a gente detesta óculos aqui! Não há nada que você possa fazer!
Aqui eles comem vivo um homem de muitos títulos, mas se você viola uma moça, a mais purinha, aí sim, você vira o cara, para os soldados.
Ele hesitou por um momento, com a minha maleta ainda nos ombros, chegou bem perto de mim. De repente, afastou-se em desespero, correndo ao quintal mais próximo. E lá estavam os Cossacos sentados nos feixes de feno, barbeando uns aos outros. “Soldados!” O intendente falou, colocando a maleta no chão. “De acordo com a ordem dada pelo camarada Savitsky, vocês são obrigados a aceitar que este homem se aloje com vocês. E nada de brincadeira, por favor, porque este homem já sofreu muito nas batalhas acadêmicas.”
O intendente corou e saiu marchando sem olhar para trás. Bati continência para os Cossacos. Um loiro cabeludo com a cara linda e típica de Ryazan, foi até minha maleta e a jogou na rua. Então, ele virou as costas para mim e, com uma destreza fora do comum, começou a falar palavrões.
"Calibre zero-zero!" Um velho cossaco gritou, rindo bem alto. "Disparou rapidinho!"
O jovem foi embora depois de gastar suas artimanhas limitadas. Eu me agachei e comecei a juntar os manuscritos e as roupas velhas e puídas que haviam caído da maleta. Eu juntei tudo e levei para o outro lado do pátio. Uma grande panela de ensopado de porco estava em cima de tijolo na frente da choupana. Subia uma fumaça que parecia a fumaça de uma choupana de uma daquelas vilas que a gente viu na infância. A fome se misturava com uma intensa solidão em mim. Eu cobri a minha pequena maleta rasgada com feno. Fiz dela um travesseiro, e me deitei no chão para ler o discurso de Lênin no segundo congresso do comitê, que tinha saído no Pravda. O sol se pôs sobre mim entre as colinas irregulares. Os cossacos ficavam pulando as minhas pernas. Aquele rapaz caçoava de mim o tempo todo. A pronta resposta lutava para me alcançar por caminhos tortuosos, mas não conseguia. Coloquei o jornal de lado e fui até a dona da casa, que estava fiando na varanda.
"Dona", eu disse, "eu preciso de um rango".
A velha levantou as escleras lacrimejantes dos olhos quase cegos para mim e abaixou novamente.
"Camarada", ela disse, depois de um curto silêncio. "Isso tudo só me dá vontade de me enforcar!"
Maldição! Murmurei frustrado e lhe dei um empurrão nas costas com a mão. “Eu não estou no clima para discussão!” Eu me virei e vi, por perto, o sabre de alguém. Um ganso altivo andava a passos largos pelo quintal, arrumando placidamente suas penas. Eu peguei o ganso e pisei nele. A cabeça estralou sob minha bota, quebrada e sangrando. O pescoço branco ficou estirado na terra e as asas se dobraram sobre o pássaro abatido.
"Maldição!" Eu disse, cutucando o ganso com um graveto. "Vá assá-lo pra mim, dona."
A cegueira e os óculos da velha brilharam na luz, e ela pegou o pássaro, enrolou-o com o avental e o levou até a cozinha.
“Camarada,” ela disse depois de um momento de silêncio. “Isso me dá vontade de me enforcar.” E bateu a porta quando entrou. No quintal, os cossacos já estavam sentados ao redor da panela. Eles estavam estáticos, sentados eretos como sacerdotes pagãos, sem sequer ter dado uma única olhada para o ganso.
“Esse camarada vai se dar muito bem aqui”, disse um deles, piscou e pegou um pouco de sopa de repolho com a colher. Os cossacos começaram a comer com a graça contida de um grupo de fazendeiros respeitosos. Eu limpei a espada com a areia, saí do pátio, mas logo voltei, me sentindo angustiado. A lua enfeitava o quintal como uma bijuteria.
"Ei, irmão!" Surovkov, o mais velho dos cossacos, me disse de repente. "Sente-se conosco e coma um pouco disso até que seu ganso fique pronto!"
Ele pegou uma colher extra da sua bota e a entregou para mim. Engolimos ruidosamente a sopa de repolho e comemos a carne de porco.
"Então, o que eles estão escrevendo no jornal?", o jovem camarada de cabelos louros me perguntou e se afastou para abrir espaço para mim.  "No jornal, Lênin escreve", eu disse, pegando meu Pravda, "Lênin escreve que agora há uma escassez geral."
Eu falava tão alto, que parecia surdo. Lia, triunfante, o discurso de Lênin para os Cossacos.
Mas a noite me envolveu na umidade macia de seus lençóis de crepúsculo, e colocou as mãos maternais em minha fronte.
Fiquei feliz, ao terminar de ler, esperando algum efeito. Eu me deliciava com a misteriosa curva da linha reta de Lênin.
"A mentira tem pernas curtas," Surovkov falou quando terminei. "Não é tão fácil tirar qualquer verdade dessa pilha de bobagens, mas Lênin saca logo de primeira. Parece uma galinha pegando o grão de milho."
Foi o que Surovkov, comandante do esquadrão, disse sobre Lênin e, depois, fomos dormir no palheiro. Seis de nós dormimos ali, aquecendo-nos uns nos outros, nossas pernas emaranhadas, sob os buracos do telhado que deixavam entrar as estrelas.
Sonhei e vi mulheres nos meus sonhos. Só que meu coração, vermelho de morte, gritava e sangrava.