Tuesday, December 18, 2018

Discurso de Formatura da Turma de 2018 de Letras (Inglês e Português) do UNASP

É difícil começar uma conversa. Diante de imensa consideração, diante do mérito indiscutível, diante do afeto indescritível e da admiração incontida, as mãos suam, a boca fica seca, os joelhos se afrouxam e o coração se acelera. Vocês já sentiram esse formigamento nas juntas? Já temeram que o coração lhes saísse pela boca? Já puseram a mão sobre o estômago para acalmar as borboletas assanhadas que insistiam em alçar voos e mais voos? Já se sentiram assim? Lembram-se dessas emoções? Já passaram por isso?
É assim que me sinto hoje, ao me dirigir a vocês: Larisse, Ingrid, Karoline Mainardes, Núbia, Sandra, Silvanielle, William, Caroline Verano, Dirceu, Êmerson, Márcio, Maria Fernanda, Amanda, Elina, Francisco Ricardo, Giovanna Finco, Milena e Sarah. São as sensações de um pai de primeira viagem, de um professor estreante, de um atleta amador, de um aluno novato, de alguém que nunca falou em público. Obviamente, eu não sou nenhuma dessas coisas. Só me sinto assim porque vocês me fazem sentir assim. Não dá para descrever, nem com uma exatidão aproximada, vaga, distante, o orgulho e a satisfação de vê-los assim como estão hoje: disciplinadamente aguardando o momento de comemorar sua espetacular conquista das letras, das palavras, das frases inteiras e definitivas, nesta e naquela língua!
E os sentimentos que acabei de descrever não são o resultado de interações aleatórias e ocasionais. O carinho que nós professores recebemos de sua turma foi algo intencional e profundo, algo que vem das entranhas, da afeição que vocês nos demonstraram ao longo dos meses e anos. Dificilmente, na minha vida, eu tive a oportunidade de me dirigir a um grupo mais compreensível, mais afetuoso e terno, mais disposto a relevar nossas limitações como educadores. Talvez alguém menos perceptivo pudesse supor que o fizessem por condescendência ou apatia. Essa pessoa, sem noção e vil, não poderia estar mais longe da verdade factual que vocês representam no dia de hoje. Vocês o fizeram porque está em sua essência ceder aos impulsos mais nobres de seu coração. Vocês o fizeram porque são quem são e por terem vindo de onde vieram, dos braços acolhedores de seus familiares, do exemplo que receberam em casa e na vida.
Eu não poderia deixar de fazer uma menção especial aos alunos desta turma e de outra que foram meus orientandos e com quem troquei mensagens e conversas nos intercâmbios frequentes e prazerosos que tivemos acerca de autores antigos e modernos, de línguas próximas e distantes, de traduções e interpretações, de prosa e poesia, de coisas que só as pessoas de sua inteligência e sensibilidade são capazes de entender, coisas além da imaginação daqueles que caminham pelas veredas arborizadas desta Instituição e que podem entender de números e contas, prédios e pontes, leis e decretos, notícias e propagandas, produtos e produção, tomates e batatas, mas jamais serão capazes de trafegar nos caminhos abstratos e impenetráveis das grandes questões da literatura e da vida, pois vocês não saem daqui apenas como especialistas em letras, mas especialistas em letras que formam conceitos tão elevados como existência, amor, drama, tempo, sofrimento, felicidade. E eu quase seria capaz de dizer como cada um de vocês soletra essas palavras com gestos e cuidados, atenções despretensiosas, sorrisos incomparáveis, divertidos, sinceros, profundamente reveladores de personalidades afetuosas. A cara de quem se importa, de quem está feliz porque entende o próprio valor e o valor do outro, dos outros. Gente que não se mata uns aos outros por dinheiro, posições, cargos, poder ou qualquer outra atração mundana que engana a tantos tolos hoje em dia.
Obrigado por terem iluminado a nossa vida nestes anos em que estiveram sob os nossos cuidados e, ao mesmo tempo, sobre os nossos cuidados, acima deles, além deles. Obrigado por terem feito uma escolha tão genuína: a opção pelo bem e pelo diálogo. Obrigado por darem o exemplo que precisa ser seguido por mais gente: a opção pela palavra, pelas palavras, por frases inteiras, reveladoras do fato de que vocês são pessoas humildes, mas valiosas; gente simples, mas profunda; alunos carinhosos, amorosos, nosso orgulho. Parabéns por esta conquista, a primeira de muitas; depois, o mestrado; o doutorado; o pós-doutorado; o céu! Vão com Deus, sempre para frente, sempre para o alto.

Discurso de Formatura da Turma de 2018 do Curso de Tradutor e Intérprete do UNASP

Nos exatos nove anos em que estou no UNASP, esta é a quarta vez em que sou escolhido p/discursar na formatura do Curso de Tradutor & Intérprete: 2013, 2014, 2017 e agora 2018. Está ficando cada vez mais difícil saber o que dizer. Não se trata da dificuldade que um poeta encontra quando já lhe pediram para discursar sobre as estrelas e a lua, e agora lhe pedem para falar também do sol. Não se trata de falta de palavras, de inspiração. Não é tampouco que o assunto esteja esgotado. É que as emoções estão cada vez mais fortes, cada vez mais difíceis de refogar com alho na trempe do coração. É que os nomes estão cada vez mais próximos, cada vez mais profundamente registrados, não apenas no córtex, a superfície do cérebro, mas nas dobras recônditas da memória: Adriane, Agatha, Amanda, Ana Vieira, Camilla, Carlos Eduardo, Danilo Fauster, Elina, Évelyn Bittencourt, Gabi, Giovanna Finco, Giovana Santos, Marcele, Luma, Ramage, Renato, Vanessa e Yuri. Faço questão de dizer todos os nomes. Faço questão de individualizá-los. Faço questão de abrir uma página da minha vida para cada um de vocês, com recortes, fotos, lembranças incríveis, a palavra favorita de seus TCCs! Paulo Freire escreveu um livro no qual recomenda que os alunos não chamem as professoras de tias. Com isso, presumo que ele tampouco quisesse que chamassem os professores de tios. Prestem atenção: eu sei que vocês não nos chamam de tios ou tias, por mais que tia Ana Schäffer até que soasse bem. Em sala de aula, vocês se referem a nós como “professores”, mas, em geral, quando falam comigo, vocês nos tratam pelo primeiro nome ou algum apelido carinhosamente inventado. Dizem: - O Neums fez isto; o Édley, aquilo. E eu acho isso o máximo! Sabem por quê? Porque vocês nos colocam no mesmo nível de vocês e não há nada que nós, professores, desejemos mais do que ficar lado a lado com vocês, estar no mesmo nível de gente tão brilhante, tão de bem com a vida, tão felizes e esperançosos, tão cheios de perspectivas para o presente e o futuro, tão incomparavelmente amados, tão incomparavelmente bons e lindos, e, aliás, com um gosto musical impecável. Graças a Deus pela música! Por isso, continuem nos chamando pelo primeiro nome, continuem nos chamando de amigos - ou friends, se preferirem...
Esta é uma noite de despedidas, mas não uma noite triste. Esta é uma noite de saudades, mas não melancólica. Esta é a noite de dizer adeus, mas não sem a esperança de reencontros, trombadas acidentais e retornos cuidadosamente planejados. Vocês nunca mais estarão todos reunidos no mesmo lugar. Sempre faltará a Elina, como falta hoje! Talvez falte mais alguém, por algum imprevisto de última hora ou por alguma ocupação extraordinária, além de nossa capacidade de lidar com a vida ou com a morte. Mas, mesmo que nunca mais se reencontrem, ainda assim, nunca estarão inteiramente separados. A partir de agora há um laço invisível e indissolúvel que vai prendê-los uns aos outros e a nós pelo resto da vida e além. Não foram vocês que escolheram quem faria parte da conexão que se formou nos últimos anos e se consolida inquebrantável neste exato momento. Foi a Providência que os colocou juntos aqui e agora. Do mesmo jeito que vocês não escolheram os pais e familiares, mas Deus lhes concedeu essas pessoas maravilhosas que se fazem aqui presentes hoje para celebrar conosco a admiração que temos por vocês neste momento de superação e vitória, vocês tampouco escolheram seus colegas de turma. Foi a Providência. Ela os colocou juntos para que a turma de vocês tivesse tudo de que necessita, não para o sucesso e a felicidade, que são coisas imateriais e, às vezes, passageiras, mas para que vocês sejam pessoas de bem, das quais nós todos vamos sempre nos orgulhar. Por isso, a Providência os muniu com tiradas eloquentes e irrefutáveis, vozes afinadas e politicamente corretas, mãos de fada, bilhetes premiados, mira certeira, ideias geniais, sonhos mirabolantes, amor espalhafatoso, coração de leão e alma impermeável. A posse destas qualidades não significa, porém, que estarão sempre prontos para superar os dissabores da vida. Significa simples, mas expressivamente, que terão à disposição os recursos para fazê-lo. Basta que se lembrem, basta que olhem para si mesmos e para nós, para as forças benévolas que se arregimentam em favor do bem. Os desafios do sucesso e da felicidade podem, em algum momento, ter parecido impossíveis de alcançar. Talvez ainda pareçam para outros, mas não para vocês. Para vocês, não parecem mais. Afinal, como vocês mesmos colocaram em seu convite de formatura, o impossível é sua especialidade. Então, saiam daqui hoje com a missão de fazer o possível e o impossível para serem boas pessoas, e terem êxito e felicidade. Podem continuar contando conosco para o que der e vier, pois somos o seu back-up. Que Deus os abençoe!

Tuesday, August 28, 2018

De que é feito o universo?

por Milton L. Torres


De que é feito o universo? Tales falava em água; Anaxímenes, em ar. Na perplexidade de quem não sabia explicar o inexplicável, Anaximandro inventou um componente misterioso e indefinível a que chamou de apeiron! Pitágoras disse que o nosso universo era formado de números; e Heráclito, de fogo e movimento. Parmênides, mais próximo da verdade, imaginou um universo feito de ilusões. Zenão queria que esse elemento básico que constituiria todas as coisas fosse o tempo, nosso velho conhecido de barbas brancas e olhar enigmático. Guloso, Empédocles quis logo uma constituição quádrupla, e cogitou num universo inteiramente formado por fogo, terra, água e ar, uma espécie de bolo cósmico sem glacê. Para Demócrito, tudo não passava de átomo, vazio e acaso. Mas o filósofo mais sábio, o que desvendou realmente esse mistério, foi aquele que disse que o nosso universo é feito de amor e ódio. Assim, trombamos todos os dias com essas duas forças primordiais e irresistíveis, e somos arrastados por uma ou outra...

Se a vida fosse como um dispositivo da Apple

por Milton L. Torres

Se a vida fosse como um dispositivo da Apple, a gente sempre faria compras no mesmo supermercado. A gente se alimentaria não para comer, mas para gastar. Nada de batatas fritas, feijoada ou bife a cavalo. Só menu de degustação. Calçaríamos os sapatos pelo calcanhar e nunca pelos dedos do pé, abotoaríamos a camisa pelas costas, usaríamos o relógio no tornozelo, fecharíamos o zíper pelo lado de dentro e, na medida do possível, deixaríamos as mãos sempre livres para nos aplaudir a nós mesmos por estarmos fazendo tudo isso de um modo original. Todos seríamos corintianos e usaríamos um tapa-olhos. Ou dois! Afinal, para que criticar a perfeição? No dia do aniversário, tocaríamos um iTune e gritaríamos “Oba!” Só conversaríamos com quem tivesse a cor certa, a voz certa, o carro certo, a profissão certa e a conta bancária certa. Se a vida fosse como um dispositivo da Apple, a gente talvez se divertisse menos, mas ia dar uma ótima selfie

Cada louco é um louco

por Milton L. Torres


Ontem foi o dia do psicólogo. Parabéns para eles! Quanto a mim, prefiro me embolar com os meus traumas e neuras. É que, para mim, o mais divertido na vida, o que me faz sentir vivo, febril, febricitante, é justamente enfrentar esses traumas, próprios e alheios. Toda vez que me deparo com uma dor profunda ou inexplicável, no coração ou na cabeça, de quem quer que seja, é como se me defrontasse com uma montanha de vertigem, tão alta quanto a angústia e tão funda quanto a imaginação, convidativa. Por isso, sou como um alpinista das emoções, desejos e pensamentos que cortam a minha vida e se embaralham com ela. Assim passo a vida, assim me divirto (ou não), mas, no plano humano, ninguém me entende melhor do que eu mesmo... Cada louco é um louco! Esta é a minha loucura. Favor não atrapalhar (


Wednesday, April 11, 2018

Dez Coisas Favoritas (Para Minha Amiga Samilly)



por Milton L. Torres

De vez em quando converso pelo whatsapp com uma incrível moça de Minas Gerais chamada Samilly. Ela é inteligente, sensível e tem um papo muito cabeça, exceto quando começa a reclamar da vida. Nesses momentos, eu geralmente a interrompo e procuro reacender uma centelha brilhante que, às vezes, fica escondida no coraçãozinho dela. Aí eu começo a falar de coisas boas. Ela fica mal-humorada por alguns minutos, mas, no fundo, no fundo, eu sei que ela concorda comigo e que fica me contrariando só para fazer a conversa render. Ao falar de coisas favoritas, ela nunca consegue mencionar mais do que duas, lamentando-se de que as coisas simplesmente não a empolgam mais. E eu quase que escuto o coração dela batendo, pois sei que dentro dele palpita vida como ela nunca seria capaz de imaginar, essa centelha que certamente renderia um fogo consumidor, até uma grande paixão, expectativas e sonhos além da imaginação.
Eu decidi pensar em dez coisas favoritas capazes de fazer o coração da Samilly ganhar novo ânimo e encher-se de desejo pela vida. Não apresento a lista numa ordem coerente ou gradativa. São só as coisas que me entusiasmam e me fazem querer viver e ser feliz, coisas com as quais gostaria de infectá-la.
Em primeiro lugar, tiramisu, a sobremesa favorita de Jesus: melhor do que sorvete, torta holandesa, ou qualquer coisa que a imaginação colorida dos cozinheiros gourmet consiga conceber. Ou, em vez disso, macarronada cheia de cogumelos e manjericão...
Em segundo lugar, disputa de pênaltis, quando a bola na marca da cal decide se a gente fica ou vai embora, se comemora o campeonato ou se recolhe à melancolia profunda dos perdedores.
Em terceiro lugar, uma criança no colo, ensinando os recomeços da vida, os braços estendidos com sinceridade, os incansáveis beijos repletos da admiração evocativa daqueles que são puro sonho e fantasia. Ou, nesse mesmo colo, um cachorrinho, em vez disso, com afagos e carinho, o ser humano mais completo que já conheci...
Em quarto lugar, um filme de ficção científica em que a raça humana se salva por um triz na guerra dos mundos, a tela bruxuleante e hipnótica da qual não se pode desviar o olhar por um segundo sequer.
Em quinto lugar, um livro: de Lucrécio, Guimarães Rosa, Nietzsche ou Homero. Algo épico, grandioso, cujas páginas se enchem de emoções e conflitos, tudo resolvido sob o beneplácito dos imortais, sejam eles divinos ou humanos.
Em sexto lugar, um passeio de carro num dia ensolarado em que, nenhuma preocupação nos acompanha, a não ser a estrada, quando o vento nos despenteia o cabelo pela janela aberta e nem nos incomodamos com isso.
Em sétimo lugar, o beijo no pescoço, com os calafrios que o acompanham, prenúncios de prazeres maiores e irrevogáveis, o cheio adocicado do perfume, os frêmitos, o gozo já antecipado.
Em oitavo lugar, o apelo do sermão, quando, vulnerável e atento, o coração aspira a novos horizontes, uma sobrevida eterna, a companhia dos anjos, enquanto o coral canta de ondas e mar, a travessia para o outro lado.
Em nono lugar, o vislumbre da janela do avião, quando o destino é um paraíso tropical, Punta Cana ou Cancun, e você imagina como é possível que voe numa máquina mais pesada do que o ar, porém se lembra, então, de que a vida tem suas dores, mas é também cheia de prazeres...
Em décimo lugar, uma canção dos Beatles, com a ingenuidade lírica dos que só querem e buscam o bem, a paz que se imagina, um céu de diamantes, o submarino amarelo, segurar a mão, enquanto a guitarra quase que adormece gentilmente sob o sentimento do coro, mesmo que você tenha ou se sinta com 64 anos de idade.
Não sei se a Samilly já experimentou tudo isso ou a metade disso ou duas dessas coisas ou pelo menos uma delas, umazinha só. Quando eu a leio, ou vejo, ou ouço, eu só posso desejar que ela o faça. Se ela o fizer, essa cabecinha, às vezes tonta e cheia de devaneios, e esse coraçãozinho, às vezes apertado e triste, vão lhe abrir os olhos para que leia, veja e ouça como eu a leio, vejo e ouço: uma moça cheia de vida que tem tudo para ser feliz e com quem eu, alegremente, trocaria de lugar quando, onde e por tanto tempo quanto ela quisesse, para ser Samilly, jovem, linda, cabeça de vento, coração de palha, para me contrariar e contradizer, para experimentar, de novo, como se pela primeira vez, cada uma das dez coisas favoritas.




Tuesday, February 13, 2018

Confissão


por Milton L. Torres

Nunca pensei que um dia eu me apaixonaria por um homem. Para falar a verdade, acho que era mais fácil eu me apaixonar por um cachorro, um time de futebol inteiro, uma aliá, a baiana do acarajé ou um bicho preguiça. Mas, exceto pelo cachorro, isso não ocorreu. Estou mesmo é apaixonado por um homem. Às vezes, sem qualquer motivo aparente, começo a pensar nesse rapaz alto, esbelto, de cabelos encaracolados e músculos perfeitos. Imagino se está feliz, se sua saúde vai bem, se seus sonhos estão se realizando, se está sorrindo ou chorando. Quando faz frio ou chove, temo por seu conforto. Se está escuro, sofro por sua segurança. Se é um dia de sol brilhante e temperatura agradável, fico pensando se está usando o famigerado protetor solar. Quando estou comendo, imagino se está com fome. Quando estou rodeado de pessoas que me abraçam e me fazem feliz, vislumbro se está sozinho, se recebeu pelo menos um abraço o dia todo, se alguém lhe disse o quanto é especial e como o meu coração bate forte quando penso nele. Até o gosto da comida que como ou a graça do filme a que assisto dependem de estar absolutamente garantido que esse objeto da minha afeição também se farta, também se diverte, também se emociona, também se condói e quer ser feliz como eu sou feliz quando penso nele, ou o vejo, ou o imagino, ou o sinto ao meu lado. Nunca pensei que outra figura, um tanto parecida com o que eu já fui ou sou, pudesse ter esse poder de mobilizar os meus sentimentos e me fazer esquecer de mim mesmo, todo concentrado que fico e dedicado ao propósito de vê-lo triunfante, feliz, realizado. Ainda mais hoje, ainda mais nestas 24 horas do dia 7 de fevereiro, em que eu sei que ele comemora mais um ano de vida e eu comemoro a luz, a respiração, o sentido. Não faz muito tempo que estamos juntos. Não na minha perspectiva. O que são vinte e poucos anos? Uma ninharia. O tempo de dois cãezinhos e uma úlcera no estômago. O que são vinte e poucos anos diante da enormidade do sentimento, do peso dessa afeição inquebrantável e irresistível? Já me falaram que alguns homens se dispõem a morrer por outros. A cada ano, a cada aniversário, o meu ceticismo diminui. Não sei se eu facilmente tomaria a decisão de morrer por ele, mas esse pensamento já me passou pela cabeça, o que é muito mais do que qualquer outro homem já mereceu de mim, tão forte é essa convicção de que estamos atados num laço inextricável de bem-querer. Confesso que minha vida seria agora um tanto vazia, oca de sentido, se não fosse pela presença dele ao meu lado. Confesso que nunca amei a nenhum outro homem como eu o amo. Confesso. Confesso que o meu filho representa mais para mim do que qualquer pai poderia querer que o filho lhe representasse, quer faça chuva ou sol, quer tenhamos saúde ou doença, quer a gente viva ou morra, quer a gente ame ou seja o objeto de ódios injustificáveis e mesquinhos. A nada disso eu temo. De nada disso eu fujo. Se a felicidade da vida reside em um único e ardente desejo. O que eu desejo hoje é um feliz aniversário para o meu filho querido!




Saturday, January 06, 2018

Natal de anjos


por Milton L. Torres

                E se um anjo lhe aparecesse e dissesse: - Eu não gosto do natal! O que você faria? O que você perguntaria se tivesse a chance de se aproximar desse ser celestial e lhe indagar as razões de seu desencanto e decepção com o natal? O que você acha que o anjo que não gosta do natal lhe diria? Eu posso imaginar o anjo fazendo cara séria, olhando-o firmemente nos olhos e, com certo ar de reprovação, devolvendo-lhe a pergunta: - Por que eu deveria gostar do natal?
                Essa não seria a hora perfeita para você desembrulhar suas respostas enlatadas e mencionar que o natal é o aniversário do nascimento de Cristo, que o espírito de natal enche os corações de esperança e alegria, que a época natalina é a mais feliz do ano. Anjos são criaturas muito inteligentes e, provavelmente, o nosso anjo já conhece esses jargões, já ouviu muitas vezes essas frases serem ditas da boca para fora, sem nenhum conteúdo emocional ou espiritual. Além disso, em seu íntimo, você sabe que não é por isso que nosso anjo não gosta do natal.
                É melhor revolver o coração e tentar tirar de lá uma resposta mais sincera e articulada! Vamos, você consegue! Por que os anjos deveriam gostar do natal quando nós, seres humanos, o comemoramos da forma mais egoísta e disparatada que podemos conceber. Por que os anjos deveriam gostar do natal quando, nessa época, nossas preocupações mundanas se voltam para a glutonaria, a bebedeira, o consumo, a ostentação e, acima de tudo, a indiferença?
                Como podem os anjos gostar do natal quando, em meio a tanta carência e necessidade de nossos semelhantes, gastamos tanto com nossos próprios desejos fúteis e fantasias pervertidas? Quando, em meio a tanta fome, nós comemos e bebemos não como se fosse natal, mas como se estivéssemos às vésperas do dilúvio ou da destruição de Sodoma e Gomorra? Quando, diante de tanto sofrimento, nós nos esquivamos do dever para prosseguir no nosso caminho de levitas e nem damos ouvidos a esses apelos insistentes de nosso coração de samaritanos?
                Apesar disso tudo, você pode dizer ao anjo que releve! Você pode dizer a ele que siga o exemplo do Pai amado que, no caso de Abraão, estava disposto a poupar uma cidade inteira por amor a uma meia dúzia de almas fiéis e puras. Você pode apontar para as crianças e dizer ao anjo que elas, sim, vivem o verdadeiro espírito do natal porque se desprendem das amarras dos egoísmos diários para desejar só o bem àqueles que com elas compartilham a vida. Você pode dizer como nos compadecemos delas e, por sua causa, nos dispomos aos mais inacreditáveis sacrifícios só para vê-las sorrir alegres. Você pode apontar para estas pessoas que nos ouvem agora, estas pessoas que estão aqui, neste lugar, nesta hora, dizendo ao anjo, que, doravante, nós nos empenharemos, de todas as formas possíveis e imagináveis, para que os anjos gostem do natal. Pode dizer ao anjo que nós buscaremos, neste natal, a felicidade do próximo mais do que a nossa própria alegria e que, ao fazer isso, daremos início a uma corrente do bem, que há de contagiar a todos os outros seres humanos deste planeta para que, juntos, transformemos o natal naquilo que, de fato, deveria ser: um natal de anjos!