por Milton L. Torres
Em trinta anos de
magistério, algumas coisas embaraçosas já me ocorreram em sala de aula. A
primeira aconteceu, em Pernambuco, no início da década de oitenta, quando, por
causa de uma indisposição intestinal, tive que avisar os alunos do ensino médio
que era provável que me ausentasse repentina e inexplicavelmente da sala.
Mostrei-lhes o rolo de papel higiênico que carregava ostensivamente em um dos
bolsos do guarda-pó, indumentária essencial, naquela época, para nos proteger
dos danos do pó de giz, e especifiquei o tipo de atividade que deveriam
desenvolver durante a minha ausência. O que, de fato, aconteceu... algumas
vezes.
Passaram-se mais de
vinte anos até que me defrontasse com outra situação igualmente embaraçosa. Na
Bahia, chamei um aluno do curso de fisioterapia à atenção e o forte rapaz
empurrou a carteira para o lado, marchando resoluto em minha direção. Temi o
pior e me encolhi à espera do golpe que eu já considerava inevitável. Ele se
aproximou, me tomou pelos ombros e, com muita solenidade, me imprimiu um beijo no
rosto, fazendo a promessa veemente de que não mais me causaria problemas.
Não foi até há duas semanas que dois novos episódios voltaram a me deixar embaraçado. No primeiro
deles, um aluno de grego me procurou enquanto eu aplicava uma prova a outra
turma. Expliquei-lhe que não seria possível atendê-lo naquele momento e ele retrucou
com voz grave: - O que tenho a lhe dizer precisa ser dito e você precisa
ouvi-lo. Pedi, então, que ele voltasse no final da prova. Ele apareceu de novo
cerca de meia hora antes do término da prova e ficou à espera do lado de fora
da sala. Quando finalmente lhe dei atenção, o aluno me disse, em particular,
que minhas aulas o haviam feito se sentir como se fosse um covarde. Segundo
ele, a forma como eu conduzira as classes e o medo que ele tinha da tarefa
intimidadora de aprender uma língua morta, fizeram com que ele se calasse
diante do que entendia ser uma forma autoritária e humilhante de ensinar. Por
um momento, o chão me faltou. Ele explicou que não havia outra pessoa de quem
tivesse mais aversão e me prometeu que, se me encontrasse em qualquer outra
situação da vida, ele me enfrentaria da forma que fosse necessária e que nunca
mais se acovardaria diante de um abuso de autoridade. Sem reação, eu só
consegui lhe fazer a pergunta: - Você se sente melhor? Ele me respondeu que sim
e eu lhe disse: - Então, vá em paz.
Jesus disse que a verdade
liberta. Mas, se há verdade nas palavras daquele rapaz, ela não me fez sentir
livre. Pelo contrário, como disse Melina Marchetta, em Saving Francesca, “eu me senti esquisito, embaraçado e indefeso,
corando diante de minha petrificação e vulnerabilidade”. O rapaz se foi
prontamente e eu fiquei remoendo aquelas palavras por duas semanas. Duas
semanas exatamente até a minha próxima experiência embaraçosa.
Ontem fui procurado por uma
aluna do curso de tradutor no meu gabinete. Os corredores da faculdade já
estavam praticamente desertos. Ela estava acompanhada de um colega de classe
que queria que eu assinasse algumas fichas de estágio. Depois de colher minhas
assinaturas, o rapaz passou a aguardá-la na antessala, conversando com minha
secretária. Ela, de forma muito respeitosa, sacou um envelope com algumas fotos
e me entregou uma longa carta, impossível de transcrever, na íntegra, aqui.
Menciono apenas um trecho escolhido: “A sua vida marcou o meu coração.
Tortura-me o pensamento de um dia não poder vir até sua sala, aconchegar-me ali
e chorar, ou sorrir. Há um agradável, agradável, agradável deleite em sua
presença. Posso sentir algo de Deus ao olhar para você: graça e paz!” Sem reação,
ofereci fazer uma oração para que Deus a abençoasse. Ela me respondeu: - Calma!
Ainda não terminei.
A moça desembrulhou, então, um frasco
de perfume, enquanto comentava: - É o meu perfume favorito e deixa partículas
de brilho! Pediu, em seguida, que eu estendesse as mãos e começou a me derramar
o perfume nas mãos, enquanto dizia: - Você não é Jesus. Por isso, derramo o
perfume nas mãos e não nos pés. Depois disso, a moça tomou os longos cabelos
anelados e, com eles, passou a me enxugar as mãos. Oramos, então, e ela me
entregou um minúsculo cartão púrpura, com os versos: “Uma flor / flor será / se
souber apreciar / o próprio perfume!”
Steve
Jobs disse antes de morrer: “todas as expectativas, todo orgulho, toda vergonha
de embaraços e fracassos, tudo isso empalidece diante do rosto da morte,
deixando apenas o que é verdadeiramente importante. A morte o ajuda a evitar a
armadilha de pensar que você tem algo a perder. Você já está nu. Não há razão para
não seguir os ditames do seu coração!” Por isso, não tenho medo de revelar meus
momentos embaraçosos, as situações que anunciam os meus fracassos. Não acredito
que, como uma máquina fotográfica, esses momentos embaraçosos me roubem a alma. Nenhum dos dois alunos tem razão. A verdade é que não sou tão mau
quanto afirma o estudante de grego e nem tão bom quanto me considera a aluna de
tradução. Só posso dizer, para salvação ou perdição, que continuo sem medo de
embaraços, continuo disposto, em todas as circunstâncias da minha vida, a seguir
os ditames do coração. Não tenho medo da verdade, porque ela está no meu
coração e só aqueles que conseguem olhar dentro dele podem ter um vislumbre de
quem eu sou realmente. A diferença não está em mim, mas no olhar das pessoas. Eu
ainda sinto, vagamente, aquele perfume nas mãos. Vão em paz!