Friday, December 27, 2013

Entrevista sobre o Natal

entrevista feita pelo jornalista Alex Bússulo ao Prof. Milton L. Torres
e publicada originalmente no jornal Nogueirense (21/12/2013):
http://nogueirense.com.br/entrevista-dr-milton-l-torres/

Jesus Cristo realmente nasceu no dia 25 de dezembro?
Não. Não há nenhuma indicação precisa na Bíblia quanto à data do nascimento de Jesus.

Por que esta data foi escolhida para a celebração do Natal?
Segundo o historiador romano Tito Lívio (22.1.20), contemporâneo de Jesus Cristo, os romanos tinham, desde 217 a.C., uma comemoração importante no mês de dezembro, conhecida como saturnais.  As festividades iam de 17 a 24 de dezembro, sendo o último dia um momento de alegria e troca de presentes. Como se tratava de um festival de inverno, era comum que as casas fossem enfeitadas com luzes e que árvores fossem adotadas como símbolo da preservação da vida durante o inverno. Além disso, 25 de dezembro era também considerada a data de nascimento do deus Mitra, uma divindade muito venerada nos tempos antigos. Finalmente, o dia 25 de dezembro foi declarado pelo Imperador Aureliano, em 274 A.D., como aniversário do nascimento do deus sol (natalis solis invictus). A data foi escolhida porque marcava o solstício de inverno no hemisfério norte, isto é, o momento em que os dias voltam a ser mais longos do que as noites. Posteriormente os cristãos de Roma adotaram essa data sob a alegação de que esperavam, assim, abençoar a data pagã, dando-lhe um caráter cristão. De Roma, a observância do feriado se espalhou para o Ocidente.

Existem evidências arqueológicas do nascimento de Jesus? É possível saber quando ele nasceu?
Há pouca coisa além dos relatos dos evangelhos, especialmente Mateus e Lucas. O nascimento de Cristo não foi comemorado nos dois primeiros séculos porque os cristãos esperavam o rápido regresso de Jesus e porque o Cristianismo era uma religião proibida. Uma celebração aberta podia acarretar perseguição e morte. Por essas razões, a data se perdeu. Apesar disso, a especulação sobre a data exata do nascimento de Cristo começou no início do terceiro século quando Clemente de Alexandria sugeriu que a data mais provável seria 20 de maio. Hipólito, que morreu em 236 A.D., argumentava que Jesus havia nascido numa quarta-feira, mesmo dia em que o sol foi criado, mas não dá a data exata. Um tratado de 243 A.D., intitulado De pascha computus, isto é, “o cálculo da páscoa”, coloca o nascimento de Jesus no dia 28 de março. De fato, não há nenhum dia do ano que, em algum ponto da história, não tenha sido sugerido por um ou outro como o dia do nascimento de Cristo.

Quando começou a se comemorar o Natal?
A mais antiga menção à data de 25 de dezembro como festa cristã vem do assim-chamado calendário filocaliano, do ano 336 A.D., escrito em latim. Nesse calendário, na data que se tornou tradicional, aparecem os dizeres natus Christus in Betleem Iudeae, isto é, “nasceu Cristo em Belém da Judeia”. Depois disto, outras evidências do início da celebração do natal como festividade cristã vêm de Constantinopla, no ano 380 A.D. Em seu sermão 39, Gregório de Nazianzo menciona que o natal tinha passado e lembra seus ouvintes de que, entre outras coisas, depois do natal, os anjos deram glórias a Deus. Com isto, o religioso esperava deter os excessos de comida e bebida que já eram cometidos por ocasião da festa. Em 386 A.D., temos outra evidência do início do natal, desta vez na cidade de Antioquia. João Crisóstomo, em seu sermão de natal, relembra que o feriado já era comemorado há dez anos em Antioquia e tenta superar as críticas daqueles que se opunham à festividade porque a consideravam uma comemoração pagã. Em vez disso, a igreja de Jerusalém comemorou o nascimento de Cristo na data de 6 de janeiro até o ano 549, quando também adotou a data de dezembro.

Como o Natal é comemorado em outras partes do mundo?
Para grande parte dos armênios, o natal é comemorado no dia 6 de janeiro, uma data que, ao longo da história, competiu com 25 de dezembro. Os anglicanos, até o século IX, celebravam o natal no dia 16 de dezembro, data que eles chamavam de “sapiência”. Em 1607, o rei James instituiu uma peça teatral que deveria ser representada na noite de natal. Durante a colonização dos Estados Unidos, os puritanos, por sua vez, se recusaram terminantemente a participar de qualquer atividade natalina, uma festa que eles consideravam pagã. Além disso, para eles, o natal deveria ser um momento de jejum e luto, não de celebração. Tradicionalmente, os católicos comemoram o natal com três missas no dia 25 de dezembro. O nome do natal, Christmas em inglês, vem justamente desse costume: Christes Maesse, “a missa de Cristo”. A forma como os brasileiros o comemoram foi muito influenciada pelo formato da celebração nos Estados Unidos: a família participa da ceia de natal e, depois, se reúne ao redor da árvore enfeitada com luzes para abrir presentes. Muitas pessoas nos países do Ocidente também gostam de ir à igreja nessa data. Na Guiana Inglesa, o natal é comemorado com o desfile de uma banda de músicos mascarados que arrecadam dinheiro. Na Nigéria, o natal é uma data favorita para os casamentos. Em Serra Leoa, as pessoas se presenteiam com frutas. Os cristãos da Coreia levantam cedo no natal e se organizam em pequenos corais que saem pelas ruas arrecadando dinheiro para os menos afortunados. Ou seja, há tantas tradições nacionais de natal que é impossível relatá-las todas aqui.

Para o mundo cristão qual o real significado do Natal?
Numa tentativa de serem politicamente corretas, muitas pessoas estão esvaziando o natal de sua dimensão religiosa e cristã. Até a aparentemente inofensiva opção de se dizer “boas festas” em vez de “feliz natal” pode dar indícios de que o natal está perdendo seu apelo religioso. Os próprios cristãos podem estar contribuindo para esse menosprezo à solenidade religiosa do natal. A data de 25 de dezembro foi escolhida fortuitamente porque coincidia com um importante festival pagão, mas o nascimento de Jesus é um evento histórico de dimensão salvífica. Como não temos nenhuma certeza da data real de seu nascimento, qualquer data serviria para comemorá-lo. No entanto, o natal está aí, estabelecido como resultado de uma tradição de vários séculos. Seria muito triste perder a oportunidade de comemorar o nascimento de Jesus, juntamente com milhões de outras pessoas, simplesmente porque temos excesso de pudor. O natal tem significado real para o cristão porque lhe concede a oportunidade de falar de Cristo, agir como Cristo e inspirar outras pessoas a seguir Aquele que nasceu em Belém e que nos legou o exemplo derradeiro de amor ao próximo. 

O Papai Noel tem algum significado para o cristão?
Papai Noel é um personagem lendário e fictício que tem uma origem folclórica. Existiu, de fato, a figura histórica de Nicolau de Mira, um cristão grego que, no século IV A.D., fazia doações generosas aos pobres, mas sua história sofreu acréscimos que a distanciaram de sua origem cristã. Os restos mortais deste santo homem se encontram supostamente preservados na cidade de Bári, na Itália. No dia de seu aniversário, em 6 de dezembro, desenvolveu-se em quase toda a Europa a tradição de presentear as crianças. Ao longo dos séculos, Nicolau recebeu características do deus nórdico Odin e todo um folclore se desenvolveu ao seu redor, principalmente nos Países Baixos. Incomodado por esse fato, Lutero, durante a Reforma, procurou transferir o costume dos presentes para o dia 25 de dezembro, a fim de que as crianças aprendessem a reverenciar o Senhor Jesus e não apenas um velho santo. O Reformador, sem querer, trouxe a figura de Papai Noel para o natal. Portanto, embora incorpore virtudes cristãs como bondade e alegria, Papai Noel não tem muito significado para os cristãos. De qualquer forma, tornou-se uma figura querida da cristandade e não há razão para demonizá-lo.

Qual é a melhor forma de se comemorar o Natal?
Eu sugeriria três coisas muito importantes que todos nós deveríamos praticar durante nossas comemorações do nascimento de Cristo. Em primeiro lugar, acho que é essencial que passemos tempo de qualidade como nossos familiares e amigos. Em segundo lugar, sugiro que aproveitemos a data para renovar nossos compromissos de fidelidade a Deus e à consciência. Ou seja, o natal nos dá uma excelente oportunidade para que pensemos em Deus e nos animemos a seguir Suas orientações para nossa vida. Finalmente, acho que o natal é uma ocasião em que todos nós devemos nos engajar em alguma causa humanitária. O natal é um tempo de se fazer o bem às pessoas, seja através de um mutirão de natal, de uma doação generosa ou de pequenos gestos de atenção.

Em dezembro se vê uma grande mobilização de atos de solidariedade, tanto das igrejas quanto da sociedade. Por que isso só acontece no natal?
O natal é, de fato, um período em que todos nós nos tornamos mais susceptíveis às necessidades alheias. Acho que é isso que as pessoas chamam de espírito do natal. Não penso que devamos estranhar o fato de que haja tanta bondade no natal. O que devemos estranhar é o fato de haver tão pouca bondade fora dessa época. Ou seja, em vez de considerar como hipócrita o bem feito durante esse período do ano, deveríamos encorajar as pessoas a estendê-lo ao restante do ano. Deveríamos sentir o espírito do natal todos os dias de nossa vida e agir de modo compatível com o que isto representa. Cristo nasceu em um dia apenas, mas Ele viveu três décadas entre nós, sinalizando que Ele pode estar presente em nosso coração todos os dias do ano. E se, de fato, abrirmos o coração para Cristo, será impossível que nos limitemos a praticar o bem apenas numa data no fim do ano.

Qual o maior ensinamento deixado por Jesus?

A principal mensagem de Cristo é o amor. No entanto, essa mensagem tem uma aplicação dupla. Ele disse: “Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. O segundo, semelhante a este, é: Amarás o teu próximo como a ti mesmo.” Para que isto se torne uma realidade em nossa vida, é necessária abnegação. Isto é, desapego e desprendimento. Acho que é por isso que os cristãos praticantes são pessoas tão felizes. É verdade que, de vez enquanto, aparecem entre nós pessoas que são mesquinhas e mal-humoradas, mas tais pessoas são justamente atraídas ao Cristianismo pelo fato de sentirem que precisam desenvolver a virtude da renúncia. A compreensão de que somos chamados por Deus para abrir mão dos nossos confortos a fim de poder ser úteis à igreja e à sociedade, de fato, nos dá um sentido para a existência. Por isto, neste natal, desejo que sejamos realmente contagiados pelo Espírito de Cristo, que é o espírito do natal.

Tuesday, December 17, 2013

Formatura de Tradutores Classe de 2013

por Milton L. Torres, PhD

Hoje é a sua formatura e meu primeiro conselho para vocês vem de minha paráfrase de Filipenses 3:13-14

Não estou dizendo que já sei tudo, que eu já cheguei lá. Mas estou a caminho. Decidi segurar a mão de Cristo. Não me entendam mal. Não me considero o sabichão, mas estou de olho no alvo que Deus me mostrou. Já entrei na corrida e não vou parar até chegar lá.

                Dizem que Einstein fez o discurso de formatura mais rápido da história. Ele se levantou e disse simplesmente: - Não tenho nada a dizer a não ser “boa sorte”. E, então, se sentou. Não quero bater esse record. Mas, como o tempo é breve, vou lhes dar dez rápidos conselhos:

10. Encarem a realidade. LARISSA, quando o alarme tocar às 6 da manhã, não é um pesadelo. É o seu trabalho!
9. Tomem decisões. LÊNIE, quando você chegar a uma encruzilhada na vida, um momento de decisão, não fique de braços cruzados. Escolha um caminho e siga-o até o fim.
8. Sejam diplomáticos. PAULO, quando seus pais perguntarem quando é que você vai se casar e ter a própria casa. Não se precipite. Seja evasivo. Mas saiba que, no dia de seu casamento, haverá uma FESTA.
7. Ouçam a voz da experiência. JOSY, você sabe que sempre vai poder contar com o UBA.
6. Não adiem as coisas. TATIANE, se você ainda não comprou os ingressos para a copa do mundo, agora não dá mais!
5. Sejam pacientes. GAZETA, espere pelo menos 24 horas até pedir mais dinheiro para seus pais.
4. Sejam bons cidadãos. Paguem seus impostos, votem e, MARA, sempre ganhe dos teologandos quando o assunto for grego ou latim.
3. Sejam francos. ÉVELIN, quando seus amigos perguntarem o que você vai fazer agora que se formou, diga a verdade: - Não tenho a menor ideia!
2. Sejam sucintos. JULIANA, quando alguém ficar elogiando sua inteligência ou talentos, simplesmente diga: EU ESTUDEI NO UNASP.
Ruflar de tambores...
1. Sejam os melhores. MARIÁH, você não será mais julgada por suas notas, mas por seu caráter, suas promessas, sua coragem e seu exemplo.

Esta formatura é importante para mim por três razões principais. Primeiro, considero esta formatura como a minha formatura também. Como vocês estou há quatro anos no UNASP. Em segundo lugar, faz exatamente trinta anos que me formei em minha primeira faculdade. Mas a principal razão por que esta formatura é importante para mim é que ela é a sua formatura, a formatura de alunos que aprendi a amar e respeitar. Ainda assim, a geração de vocês é diferente da minha. Dizem que vocês são a geração X. Os sociólogos fazem essa declaração com a intenção de dizer que a geração de vocês não se preocupa com o futuro. Mas eles estão errados, vocês são a geração X porque eXcelência se escreve com X!
                Meus últimos conselhos a vocês:
1. Cuidem do ambiente.
2. Nunca usem drogas, cigarros ou bebidas.
3. Sejam fiéis a Deus e à sua consciência.

4. Venham sempre nos visitar porque vamos morrer de saudades...

Saturday, June 15, 2013

A intenção de errar e fazer errar

por Milton L. Torres, PhD

                A pesquisa, quer seja científica, quer tenha caráter exclusivamente intuitivo, sendo, portanto, destituída de uma metodologia rigorosa que tenha sido desenvolvida a partir de longa reflexão e experimentação coerente, constitui uma forma cada vez mais comum de buscarmos uma interpretação plausível para a realidade como a contemplamos. De certa forma, quando recorremos ao Google para descobrir alguma coisa, estamos fazendo pesquisa. Nesse processo, raramente temos a intenção de errar. O que nos motiva à pesquisa, em vez disso, é o desejo de explorar possibilidades, isto é, o anseio de acertar. Para estabelecer a confiabilidade de nossas conclusões é vital que tenhamos sido fiéis a esse anseio e, principalmente, que tenhamos sido honestos ao interpretar nossas fontes.
                O uso de fontes serve para fundamentar e melhorar a qualidade de nosso trabalho de pesquisa. As citações concedem autoridade às conclusões às quais nossa pesquisa nos tenha levado, pois mostram que outras pessoas trilharam caminhos semelhantes aos nossos e, por essa razão, passaram a interpretar a realidade de maneira semelhante à nossa. Além disso, oferecem ao leitor da pesquisa condições de comprovar que o que dizemos tem fundamentação, dando-lhe, inclusive, a oportunidade de se aprofundar no tema em discussão. Nenhum estudioso deveria, portanto, fazer mau uso de suas fontes, pois isso comprometeria a confiabilidade de suas conclusões e levantaria suspeitas quanto a sua competência como pesquisador. O mau uso de fontes sugere, no mínimo, que o pesquisador foi precipitado em relação às conclusões a que chegou.
                A razão por que menciono essas coisas é que recentemente chegou à minha atenção a notícia de que uma afirmação minha foi empregada para dar sustentação a uma ideia que aqueles que me conhecem sabem que não apoio. Um site intitulado “Nova Aliança – Desde 1888” afirmou o seguinte:

É tanta a contradição de nossa mentalidade com a expressa por Paulo que não poucos entre nós consideram Paulo quase um inimigo da Igreja e desabafos como o Dr. Milton Torres que foi professor de teologia e hoje foi afastado para lecionar letras no UNASP aparecem entre nós: “me sinto aliviado de não ter mais que lecionar o livro de Romanos ao seminário teológico”.

O autor do texto passa a impressão de que considero o apóstolo Paulo um inimigo da Igreja e de que estou feliz por não mais ter que ministrar aulas sobre seus escritos. Nenhuma informação, porém, é dada acerca do lugar, data ou contexto em que eu tenha feito essa afirmação. Além disso, aqueles que acompanham o que escrevo sabem que a verdade é o oposto disso: considero o apóstolo como um dos pensadores mais intrigantes da Igreja primitiva e o admiro tanto que já escrevi dois livros sobre ele: Sã doutrina: medicina nas epístolas pastorais (2007) e Amor exagerado: a exorbitante pregação do apóstolo Paulo (2013).
                Não vou entrar em outros méritos da declaração como, por exemplo, a ideia de que fui afastado do seminário para dar aulas de letras. Fui afastado do seminário na mesma proporção em que qualquer pastor é afastado do distrito que pastoreia a fim de assumir novas responsabilidades em outra área. Nós, pastores, nos sentimos chamados por Deus e atendemos a seus mandados, mesmo que isso implique em deixar o conforto de nossas preferências a fim de segui-Lo aonde Ele nos enviar. Sem, então, entrar no mérito desse aspecto da citação, posso garantir que sinto falta das aulas de Romanos, como sinto falta de ministrar aulas de grego bíblico, a língua em que o Novo Testamento foi escrito e pela qual tenho paixão de intensidade comparável à que sinto quando estou ministrando aulas de literatura clássica, no Curso de Letras, ou aulas de Interpretação Intermitente, no Curso de Tradutor e Intérprete do UNASP. Essa saudade só foi mitigada quando, neste primeiro semestre de 2013, o SALT-UNASP me solicitou que, devido a uma situação imprevista, eu assumisse as aulas de Grego III, às quais seis heroicos estudantes compareceram e durante as quais se empenharam para deixar orgulhoso o velho professor: Almir, Áthila, Eduardo, Herald, Manoel Felipe e Maurício.
                 Não me lembro das palavras exatas de minha declaração de despedida aos alunos do quarto ano de teologia do SALT-IAENE, turma que concluiu seus estudos em 2008. Eles me concederam a oportunidade de lhes dirigir a palavra várias vezes naquele ano, principalmente a honra maior de fazer o sermão de consagração em sua cerimônia de formatura. Mantenho, ainda, contato com muitos deles e gosto de imaginar que hei de sempre poder contar com o carinho que eles me demonstraram durante as aulas, em nossos contatos informais no campus do IAENE e em nossas trocas de email e telefonemas até o dia de hoje. Apesar de não me recordar das palavras exatas, sei muito bem qual foi o seu teor: “estou aliviado de não ter mais que dar aulas no seminário”. Nessa declaração, nunca fiz referência a Paulo ou a Pedro, mas a afirmação continua: “estou aliviado de não ter mais que dar aulas no seminário porque julgo ser esta uma tarefa que exige grande entrega e pela qual sou muito cobrado – estou cansado de que pessoas mal intencionadas me torçam as palavras e exijam respostas prontas para suas dificuldades de interpretação da Bíblia quando, de fato, suas indagações não são oriundas do interesse sincero de aprender, mas da intenção de errar e fazer errar”.
                Diante do uso gratuito e inconsequente de minhas palavras, alteradas e postas fora de contexto, no site “Nova Aliança – Desde 1888”, em que se percebe mais a intenção de ferir e rebaixar do que de edificar e promover a investigação sincera das Escrituras, só me resta concluir que, embora não seja mais professor do seminário, não existe, de fato, nenhuma razão para que eu me sinta aliviado. Esse sentimento de alívio só existirá quando eu puder perceber que aqueles que se dizem irmãos, que se dizem meus irmãos, prescindirem dessa comichão de errar e fazer errar. Contra minha expectativa existe, porém, a percepção de Aristófanes (Aves 169-179) de que "o homem é uma ave (ho anthrôpos ornis): instável, fugaz, inconsequente e incapaz de permanecer em um só lugar".

Qual é a importância da língua portuguesa?

por Milton L. Torres, PhD

         O português é a língua oficial de oito países do mundo, espalhados em quatro continentes. Estima-se que quase 250 milhões de pessoas falem o idioma. Depois do Brasil, os países onde o português é mais falado são Moçambique (19 milhões), Portugal e Angola (11 milhões cada um) e Guiné Bissau (mais de um milhão). Ao contrário do que muita gente pensa, o espanhol não é o parente mais imediato do português, mas o galego, a última língua do tronco romântico a se separar de nosso idioma. Trata-se de uma língua falada na Galícia, uma região da Espanha, e nas áreas de imigrantes galegos na Argentina, Cuba e Uruguai. Aliás, o nosso tronco linguístico se chama “romântico” porque tanto o galego quanto o português são descendentes de uma língua agora extinta antigamente chamada de romanço. De fato, o romanço era uma mistura de línguas derivadas do latim vulgar e, por essa razão, o termo tinha conotação pejorativa. De qualquer forma, o português do Brasil, sendo uma das línguas mais nasais do mundo (juntamente com o francês e o polonês), merece mesmo a denominação de língua romântica, uma vez que os antigos gregos, sempre muito inteligentes, consideravam os sons nasais como os mais belos e sensuais de todos.
         A língua portuguesa reflete, em muitos sentidos, o espírito aglutinador de seus falantes. Por causa das invasões mouras à Península Ibérica, região da Europa onde se localiza Portugal, e devido à colonização portuguesa de vastas regiões na América do Sul, África e Ásia, nossa língua entrou em contato com os falares de diferentes regiões do mundo. Como resultado disso, nosso idioma acabou enriquecido com inúmeras palavras oriundas do árabe, das línguas indígenas brasileiras e das línguas africanas. De certa forma, o sincretismo observado em nossas relações sociais transparece também em nossa forma de falar. Quem sabe não foi justamente essa propensão de nossa língua que tornou o brasileiro essa pessoa tão amistosa e tão disponível para a conversa fiada... Será que o pensamento determina a língua ou, ao invés disso, a língua influencia o pensamento? Independentemente de se tomar uma decisão a esse respeito, concordaremos que a língua portuguesa constituiu o nosso jeito de ser, o nosso modo de encarar a vida, a nossa própria alma coletiva e, por isso, como disse Jesus Cristo, não nos resta alternativa senão deixar que a boca fale do que está cheio o coração (Mt 12:34). Tente passar o soneto 11 de Camões para qualquer outra língua e você vai entender o que eu quero dizer com isso. As contradições implícitas numa “dor que desatina sem doer” ou num “solitário andar por entre a gente”, parecem não fazer pleno sentido, a não ser quando vistas a partir do jeito luso-brasileiro de encarar a vida. Assim, disse Fernando Pessoa: “minha pátria é a língua portuguesa”. Não se importava que invadissem Portugal, desde que não mexessem com ele. Mas isso não era egoísmo. No fundo, o escritor sabia que, enquanto houvesse o nosso jeito de falar, não perderíamos a identidade, não nos abateríamos diante dos infortúnios, não perderíamos a voz, nem nosso reflexo no espelho.
         Talvez o que o tenha motivado a ler este texto despretensioso é que você imaginasse que ele confirmaria suas suposições de que, sem um conhecimento sólido da gramática portuguesa, seria impossível você se dar bem na vida, conseguir um trabalho melhor, aumento de salário, uma linha de crédito mais compatível com suas necessidades do momento ou, até mesmo, uma chance com a moça bonita a quem você anda cobiçando. Faz mesmo parte da natureza humana que encaremos tudo a partir de um ponto de vista pragmático que nos permita tirar vantagem de tudo. Bem, não foi isso que me motivou a escrever. Decepcionado? Ora, não fique. É bom saber que seu português é melhor do que o dos outros sete bilhões de falantes que andam sobrecarregando as linhas de comunicação deste planeta. Pouca gente fala português na China ou no Curdistão. Talvez, melhorar o seu conhecimento gramatical possa agregar um centésimo de valor ao patrimônio cultural que você tem. Em vez disso, eu sugiro que você desfrute dessa língua. Use-a de modo ferino ou terno, use-a sério ou leviano, use-a para ser ou não ser, use-a! Sorva cada palavra como se o ar fosse feito disso. Imagine-a como cubo, esfera, pétala, andaime, viga. Mas... nunca tenha medo dela. A língua está do nosso lado. Falando português, ao amigo, ao desafeto ou à moça bonita que mencionei, é impossível não conciliar as desavenças, é impossível não encantar com o charme romântico das palavras. Afinal de contas, como escreveu Alberto de Lacerda, “esta língua portuguesa, capaz de tudo, como uma mulher realmente apaixonada, esta língua é minha Índia constante, minha núpcia ininterrupta, meu amor para sempre, minha libertinagem, minha eterna virgindade”. Quer saber, então, a autêntica importância da língua portuguesa? Tente ficar um dia, uma hora sem usá-la. Hoje, à noite, antes de dormir, eleve a Deus um pensamento, esboço de gratidão, primeiramente por falar e, principalmente, por falar em português...

Publicado originalmente no Nogueirense (9 de junho de 2013), jornal da cidade de Artur Nogueira, no interior de São Paulo (http://nogueirense.com.br/opiniao-qual-e-a-importancia-da-lingua-portuguesa/).