por Milton L. Torres
Não
sou de reclamar da vida. Prefiro gastar minhas energias, celebrando-a. Hoje
quero, porém, falar com o ombudsman.
Como a gente só vive uma vida, tem que acertar tudo da primeira vez. Se a gente
pensar bem, não parece certo. Por isso, tanta gente acredita em reencarnação,
divórcio e vida após a morte. O que todo mundo quer, afinal das contas, é uma
segunda chance...
Não
seria muito melhor se a gente tivesse a possibilidade de um ensaio antes de a
coisa ser para valer? A gente nascia, crescia, fazia todas as asneiras que a
gente sempre faz, parava, apertava reset
e começava tudo de novo, pelo menos uma vez. Eu sei, muita gente ia querer
ficar apertando reset toda hora. Ia
ser preciso limitar. A gente colocava explícito nas regras: uma única vez, que
nem acontece com os salvo-condutos que os calouros ganham nos programas
musicais da televisão.
Outra
condição: a gente ia precisar lembrar de tudo. Assim, não seria difícil
repensar as escolhas e, na segunda vez, fazer a coisa certa ou menos errada.
Com isso, a gente descarta as encarnações e as almas penadas. Para que serve
viver outras vidas? Eu não tenho vocação para barata, nem avestruz, nem
bezerro. Não quero virar o Gasparzinho da esquina. O que eu quero é viver a minha vida de novo, melhor, mais sábio,
mais perspicaz. O que eu preciso é de mais intuição, a sensação, ainda que
tênue, de que há alguma lógica no que acontece conosco, de que dá para evitar
as trapalhadas, quando eu tropeço nos meus próprios passos, e as atrapalhadas,
quando eu faço as outras pessoas tropeçarem.
De
fato, quando paro para pensar, eu me sinto um morcego, olhando o mundo de
cabeça para baixo, sem conseguir consenso, nem simpatia. E é como se eu fosse o
último morcego do mundo, o único da minha espécie, dependurado ali na viga que
sustenta a vida, com os olhos arregalados e míopes.
Acho
que a vida é especialmente injusta com os jovens. Eles têm que tomar tantas
decisões importantes quando estão menos preparados para fazê-lo. Sorte a do
Benjamin Button, que escapou disso! E não adianta a gente falar. A razão,
inclusive, por que não se deve falar a surdos é que eles não ouvem...
Quer saber de uma coisa? Eu sou
favorável às segundas chances. Devíamos inventar um novo tipo de divórcio, um
divórcio para filhos. Seria mais ou menos assim: depois de passar a infância ou
a adolescência com os pais, os filhos deviam poder entrar com pedido de
divórcio e, depois disso, procurar pais novos, mais do seu agrado! Podiam fazer
que nem Heródoto falou dos leilões de Babilônia em relação às belas e às feias.
Compareceriam, acompanhados, ao leilão os filhos que queriam se divorciar dos
pais e os pais que queriam se divorciar dos filhos. Os filhos ofereceriam os
pais descartáveis para adoção. Assim, os filhos que também estavam sendo
descartados podiam adotar esses pais. Depois, os que haviam feito o descarte
podiam se adotar mutuamente. Isso poria fim às incompatibilidades e todos
poderiam ser felizes, sem dores, a não ser a do descarte. Mas o que é uma
dorzinha de nada quando a cirurgia plástica vai resolver o seu problema de um nariz protuberante e grotesco?
Não precisa fazer cara de
espanto. Estou mesmo levando a sério essa história de mentalidade de morcego. Se
você não concordar comigo, não se preocupe. Simplesmente continue a viver a dignificada
vida de ser humano normal, sem dar muita atenção aos guinchos que ecoam da
minha parte escura do poleiro. Porém, se você se sente às vezes assim, seja
bem-vindo. Tem muito espaço aqui do meu lado. Mas aviso logo: de cabeça para
baixo, a gente está sujeito a vertigens...