Friday, December 12, 2008

Tempo e Preocupação

por Milton L. Torres

Santo Agostinho disse uma vez que só sabia o que era o tempo até que alguém lhe pedisse que o definisse. Como pensador exigente que era, não se fiava nas definições dadas por eruditos que o antecederam. Confiava somente na declaração de sabedoria do Eclesiastes: "há um tempo para cada propósito". A palavra tempo parece mesmo indefinível. Pelo menos, era assim que pensava Carlyle que, em sua obra Heroes and hero-worship, não somente reconheceu a natureza indefinível do tempo, mas ainda acrescentou um tributo ao milagre de sua existência: essa coisa ilimitável, silenciosa, eternamente inquieta chamada tempo desloca e se apressa como a maré oceânica que a tudo abraça, na qual nós e todo o universo nadamos como exalações, como aparições que ora existem ora não. Isso é, para sempre e mui literalmente, um milagre!
Nós seres humanos muitas vezes sucumbimos às vicissitudes de nossa época e nos deixamos enredar pelas preocupações que geralmente acompanham a ansiedade dos tempos. Parece verdade, em certo sentido, o que Boileau afirmou: "o tempo vôa e nos carrega com ele". E, por isso, acabamos reconhecendo, com Shakespeare, que "o tempo é o rei dos homens".
O desafio que persiste diante de nós é que aprendamos a descansar na certeza de que o tempo não conspira contra nós e que, na finitude infinitesimal de nossa pequenez, não seremos obliterados por ele. As razões mais insignificantes nos levam à exaustão e a sermos consumidos por nossa própria ansiedade. É preciso olhar adiante, é preciso confiar na esperança, é preciso alcançar a tranquilidade da alma. Que anedota devemos ser para os seres eternos que nos observam! O poema "Os imortais", de Herman Hesse nos dá o vislumbre da banalidade de nossas paixões:

"Dos vales terrenos
chega até nós o anseio da vida:
impulso desordenado, ébria exuberância,
sangrento aroma de repastos fúnebres.
São espasmos de gozo, ambições sem termo,
mãos de assassinos, de usurários, de santos,
o enxame humano, fustigado pela angústia e o prazer.
Lança vapores asfixiantes e pútridos, crus e cálidos, respira beatitude e ânsia ensopitada,
devora a si mesmo para depois se vomitar.
Manobra a guerra e faz surgir as artes puras, adorna de ilusões a casa do pecado,
arrasta-se, consome-se, prostitui-se todo
nas alegrias de seu mundo infantil;
ergue-se em ondas ao encalço de qualquer novidade para de novo retombar na lama.

Já nós vivemos
no gelo etéreo transluminado de estrelas;
não conhecemos os dias nem as horas,
não temos sexos nem idades.
Vossos pecados e angústias,
vosso crimes e lascivos gozos,
são para nós um espetáculo como o girar dos sóis.
Cada dia é para nós o mais longo.
Debruçados tranqüilos sobre as nossas vidas,
contemplamos serenos as estrelas que giram,
respiramos o inverno do mundo sideral;
somos amigos do dragão celeste:
fria e imutável é nossa eterna essência,
frígido e astral o nosso eterno riso."

Essas palavras de sábio comedimento me fazem desejar menos honrarias e privilégios ao mesmo tempo que me lembram de tantas outras que li na pena de Epicuro, Lucrécio e Marco Aurélio. Este imperador chega a bradar, em suas Meditações, "Apaga a imaginação. Pára o jogo dos títeres. Circunscreve o momento presente. [...] Vão açodamento pelas pompas; encenação de dramas; rebanhos; manadas; corpos varados de lança; ossos atirados aos cães; migas de pão deitadas em viveiro de peixes; azáfama de formigas carregando os seus fardos; correria de camundongos espavoridos; bonecos movidos por cordéis. [...] Basta dessa existência lastimável, de resmungos, de macaquices. [...] Em suma, se há um Deus, tudo está bem".
Da advertência do Padre Antônio Vieira, em seu sermão da primeira dominga do advento, nos vem o consolo de existirmos, de saber que vamos morrer e, apesar disso, de podermos viver com dignidade, cheios de esperança e afeto pelos que convivem conosco: "Todos vamos embarcados na mesma nau, que é a vida, e todos navegamos com o mesmo vento, que é o tempo; e assim como na nau, uns governam o leme, outros mareiam as velas; uns vigiam, outros dormem; uns passeiam, outros estão assentados; uns cantam, outros jogam, outros comem, outros nenhuma cousa fazem, e todos igualmente caminham ao mesmo porto; assim nós, ainda que não o pareça, vamos passando sempre, e avizinhando-nos cada um a seu fim".
Estes parágrafos um pouco longos me servem o propósito de dizer a todos quantos lerem estas linhas que, em vez de dar guarida às ansiedades da vida, precisamos dar vazão à vontade de viver e, com ela, fazer deste breve momento da eternidade (a vida) um motivo de júbilo, contido por sua insignificância, mas comovente por sua sinceridade.

No comments: