Monday, November 24, 2008

Educando para o Futuro

por Milton L. Torres

As grandes universidades americanas nasceram do desejo dos cristãos dos Estados Unidos de criarem um ambiente favorável ao estudo do homem, da natureza e das ciências, mas hoje assistimos, nos países cristãos, a um enfraquecimento da religião no ambiente universitário. É, no entanto, lamentável que isso esteja ocorrendo uma vez que as artes liberais dependem do cultivo e da prática das mesmas virtudes enfatizadas pelo cristianismo: a honestidade, a humildade, a diligência. Essas virtudes têm, ao longo dos anos, sustentado as artes liberais. Por isso, o enfraquecimento do cristianismo na universidade é, nesse sentido, uma ameaça à própria universidade.
Faz muito tempo Francis Bacon sugeriu que o derradeiro fim da ciência é a caridade. A educação superior é a principal aliada da ciência nesse empreendimento de promover caridade, ou compaixão, se preferirmos um termo mais dos nossos dias. De acordo com o epistemólogo Paolo Rossi, não é o prazer da curiosidade, nem a tranqüilidade da resolução, não é a elevação do espírito, nem a vitória ou a argúcia, não é a habilidade do discurso, nem o lucro na profissão, não é a ambição de honra e fama, nem a habilidade nos negócios que constituem os verdadeiros fins da educação. Alguns desses ideais são mais nobres que outros, mas todos são inferiores. O verdadeiro fim da educação é a restituição e a restauração (em grande parte) do homem à soberania e ao poder que ele tinha no primeiro estágio da criação. Exposto à morte e à doença, fechado nos breves limites da existência, posto diante da vaidade das coisas, o homem pode, mediante a fé, redimir-se e reconquistar o poder perdido sobre o mundo. Aquilo que se pede à religião, isto é, que a fé seja demonstrada pelas obras, vale também para a educação e a ciência: mais que pelas argumentações e observações dos sentidos, a verdade é comprovada pelas obras.
É preciso refletir sobre nossa forma de fazer a universidade e de construir o conhecimento. É preciso que tal construção não se dê através da prática vaidosa do diletantismo. O que queremos é um saber prático que beneficie a todos: discentes, docentes e comunidade. O que queremos é moldar o futuro com uma educação cujo alvo principal seja a caridade. A compaixão como fim último da educação significa colocar o produto do pensar científico a serviço do bem da espécie humana, a idéia de um saber universal cujos resultados sejam desfrutados por todos, a suplantação dessa falsa globalização de cujos frutos pouquíssimos se beneficiam. Platão nos adverte no livro Leis de que a educação é um tema tão sério que deveria, se possível, permanecer pura, fixa, inalterada. De acordo com ele, é necessário combinar a fixidez da tradição com as variações impostas, e somente aquelas impostas, pela necessidade. Talvez seja, por essa razão, que o sistema educacional do ocidente tenha resistido, de forma tão admirável, às vicissitudes do tempo. No entanto, é um falso conceito pensar que entre a antiga variedade de opiniões haja sempre prevalecido a melhor. O tempo parece ter a natureza de um rio que transporta aquilo que é volumoso e leve e deixa afundar aquilo que é sólido e pesado. É um grande obstáculo para o desenvolvimento da ciência continuar a avançar sobre terrenos batidos e sobre princípios já consolidados e ter medo de enfrentar tudo que pareça contradizê-los. Nosso desafio para a universidade é que estejamos dispostos a desbravar caminhos, a questionar o que é obsoleto, a rejeitar o academicismo infrutífero e a propor alternativas que venham a contribuir para a melhoria de vida daqueles a quem educamos, sem, com isso, perder as conquistas de incontáveis gerações de educadores que trabalharam pelo ideal da universidade, palavra cuja etimologia nos remete ao conceito de “uma linha”, um lugar onde muitos fios se entrecruzam para formar uma “única linha”, onde a diversidade é respeitada e acolhida como essencial para uma tecitura – sem dobras – do conhecimento, um cadinho em que todos os elementos se harmonizam. Em suma, nosso repto é que estejamos dispostos a demonstrar nossa fé na educação através das obras: que estejamos desejosos de construir o futuro com tolerância e altruísmo. Que Deus nos abençôe nesse empreendimento.

Referências

ROSSI, Paolo. A ciência e a filosofia dos modernos. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Editora da UNESP, 1992.

Discurso proferido originalmente na Celebração dos 60 Anos da UFBA, no dia 4 de julho de 2006, no Museu de Arte Sacra da UFBA, a convite do Prof. Dr. Naomar de Almeida Filho, Magnífico Reitor. Publicado posteriormente na Revista Formando Líderes Cristãos, Cachoeira, BA, p. 36-36, 05 out. 2006.

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