por Milton L. Torres, PhD
A pesquisa, quer seja científica,
quer tenha caráter exclusivamente intuitivo, sendo, portanto, destituída de uma
metodologia rigorosa que tenha sido desenvolvida a partir de longa reflexão e experimentação
coerente, constitui uma forma cada vez mais comum de buscarmos uma
interpretação plausível para a realidade como a contemplamos. De certa forma, quando
recorremos ao Google para descobrir
alguma coisa, estamos fazendo pesquisa. Nesse processo, raramente temos a intenção
de errar. O que nos motiva à pesquisa, em vez disso, é o desejo de explorar
possibilidades, isto é, o anseio de acertar. Para estabelecer a confiabilidade
de nossas conclusões é vital que tenhamos sido fiéis a esse anseio e,
principalmente, que tenhamos sido honestos ao interpretar nossas fontes.
O uso de fontes serve para
fundamentar e melhorar a qualidade de nosso trabalho de pesquisa. As citações concedem
autoridade às conclusões às quais nossa pesquisa nos tenha levado, pois mostram
que outras pessoas trilharam caminhos semelhantes aos nossos e, por essa razão,
passaram a interpretar a realidade de maneira semelhante à nossa. Além disso, oferecem
ao leitor da pesquisa condições de comprovar que o que dizemos tem
fundamentação, dando-lhe, inclusive, a oportunidade de se aprofundar no tema em
discussão. Nenhum estudioso deveria, portanto, fazer mau uso de suas fontes,
pois isso comprometeria a confiabilidade de suas conclusões e levantaria
suspeitas quanto a sua competência como pesquisador. O mau uso de fontes sugere,
no mínimo, que o pesquisador foi precipitado em relação às conclusões a que
chegou.
A razão por que menciono essas
coisas é que recentemente chegou à minha atenção a notícia de que uma afirmação
minha foi empregada para dar sustentação a uma ideia que aqueles que me
conhecem sabem que não apoio. Um site
intitulado “Nova Aliança – Desde 1888” afirmou o seguinte:
É tanta a contradição de nossa mentalidade com a
expressa por Paulo que não poucos entre nós consideram Paulo quase um inimigo
da Igreja e desabafos como o Dr. Milton Torres que foi professor de teologia e
hoje foi afastado para lecionar letras no UNASP aparecem entre nós: “me sinto aliviado
de não ter mais que lecionar o livro de Romanos ao seminário teológico”.
O autor do texto
passa a impressão de que considero o apóstolo Paulo um inimigo da Igreja e de
que estou feliz por não mais ter que ministrar aulas sobre seus escritos. Nenhuma
informação, porém, é dada acerca do lugar, data ou contexto em que eu tenha
feito essa afirmação. Além disso, aqueles que acompanham o que escrevo sabem
que a verdade é o oposto disso: considero o apóstolo como um dos pensadores
mais intrigantes da Igreja primitiva e o admiro tanto que já escrevi dois
livros sobre ele: Sã doutrina: medicina
nas epístolas pastorais (2007) e Amor
exagerado: a exorbitante pregação do apóstolo Paulo (2013).
Não vou entrar em outros méritos
da declaração como, por exemplo, a ideia de que fui afastado do seminário para
dar aulas de letras. Fui afastado do seminário na mesma proporção em que
qualquer pastor é afastado do distrito que pastoreia a fim de assumir novas
responsabilidades em outra área. Nós, pastores, nos sentimos chamados por Deus
e atendemos a seus mandados, mesmo que isso implique em deixar o conforto de
nossas preferências a fim de segui-Lo aonde Ele nos enviar. Sem, então, entrar
no mérito desse aspecto da citação, posso garantir que sinto falta das aulas de
Romanos, como sinto falta de ministrar aulas de grego bíblico, a língua em que
o Novo Testamento foi escrito e pela qual tenho paixão de intensidade
comparável à que sinto quando estou ministrando aulas de literatura clássica,
no Curso de Letras, ou aulas de Interpretação Intermitente, no Curso de
Tradutor e Intérprete do UNASP. Essa saudade só foi mitigada quando, neste
primeiro semestre de 2013, o SALT-UNASP me solicitou que, devido a uma situação
imprevista, eu assumisse as aulas de Grego III, às quais seis heroicos estudantes
compareceram e durante as quais se empenharam para deixar orgulhoso o velho
professor: Almir, Áthila, Eduardo, Herald, Manoel Felipe e Maurício.
Não me lembro das palavras exatas de minha
declaração de despedida aos alunos do quarto ano de teologia do SALT-IAENE,
turma que concluiu seus estudos em 2008. Eles me concederam a oportunidade de
lhes dirigir a palavra várias vezes naquele ano, principalmente a honra maior
de fazer o sermão de consagração em sua cerimônia de formatura. Mantenho,
ainda, contato com muitos deles e gosto de imaginar que hei de sempre poder
contar com o carinho que eles me demonstraram durante as aulas, em nossos
contatos informais no campus do IAENE
e em nossas trocas de email e telefonemas até o dia de hoje. Apesar de não me
recordar das palavras exatas, sei muito bem qual foi o seu teor: “estou
aliviado de não ter mais que dar aulas no seminário”. Nessa declaração, nunca
fiz referência a Paulo ou a Pedro, mas a afirmação continua: “estou aliviado de
não ter mais que dar aulas no seminário porque julgo ser esta uma tarefa que exige
grande entrega e pela qual sou muito cobrado – estou cansado de que pessoas mal
intencionadas me torçam as palavras e exijam respostas prontas para suas
dificuldades de interpretação da Bíblia quando, de fato, suas indagações não
são oriundas do interesse sincero de aprender, mas da intenção de errar e fazer
errar”.
Diante do uso gratuito e
inconsequente de minhas palavras, alteradas e postas fora de contexto, no site “Nova
Aliança – Desde 1888”, em que se percebe mais a intenção de ferir e rebaixar do
que de edificar e promover a investigação sincera das Escrituras, só me resta
concluir que, embora não seja mais professor do seminário, não existe, de fato,
nenhuma razão para que eu me sinta aliviado. Esse sentimento de alívio só
existirá quando eu puder perceber que aqueles que se dizem irmãos, que se dizem
meus irmãos, prescindirem dessa comichão de errar e fazer errar. Contra minha expectativa existe, porém, a percepção de Aristófanes (Aves 169-179) de que "o homem é uma ave (ho anthrôpos ornis): instável, fugaz, inconsequente e incapaz de permanecer em um só lugar".
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