YOUNG, William Paul. A cabana.
Rio de Janeiro: Sextante, 2008.
por Milton L. Torres
Comecei a ler A cabana anteontem às 22h e terminei às
9h de hoje. Foi uma leitura intensa, realizada de um golpe só. Eu tinha bons
motivos para ler o livro: minha filha o recomendara e havia encontrado, na
internet, uma citação sobre perdão que alguém tinha tirado do livro e que tinha
despertado o meu interesse. Gostei muito do livro. Com isso não quero dizer que
o autor tenha conseguido escapar à tentação de ser sentimentaloide ao explorar temas
tão melodramáticos quanto a fé religiosa, o perdão incondicional, o amor
paterno e a esperança. Por outro lado, ele conseguiu me manter engajado e
curioso. Em alguns momentos, algumas lágrimas até me escorreram pelo rosto.
Para quem tem uma
filha, é inevitável que o enredo nos prenda. Durante um acidente no rio perto
de um acampamento num parque florestal, uma menina, Missy, é raptada e morta
por um maníaco. Suas roupas ensanguentadas são descobertas em uma cabana
abandonada, mas o corpo não é encontrado. Após quatro anos de uma tristeza
profunda, Mack, o pai, encontra um bilhete na caixa de correio, supostamente de
Deus, dizendo que deveria voltar à cabana para encontrá-lo.
Mack volta à
cabana para o encontro com Deus e, no tempo em que passam juntos, Deus lhe
aparece como uma mulher negra com propensões culinárias, que se apresenta como
Elousia ou, como era sua preferência, Papa, o nome pelo qual a esposa de Mack
costumava se referir a Deus (conforme aparece na versão em inglês). Papa se faz
acompanhar de Jesus e Sarayu, o Espírito Santo. O homem, não sem alguma
relutância, se afeiçoa aos três personagens. Com isso, ocorre uma
teodiceia, o esforço para provar a justiça de Deus diante dos fatos pertinentes
à tragédia que havia vitimado a menina.
Essa defesa de
Deus se torna o grande desafio do autor. Seu sucesso só pode ser avaliado pelo
fato de conseguir manter a atenção do leitor enquanto busca esse alvo. E isso
ele consegue, entre outras coisas fazendo Mack caminhar sobre as águas com
Jesus, dando-lhe a oportunidade de vislumbrar Missy brincando no céu com os
sonhos dos irmãos adormecidos, dando-lhe a oportunidade de voltar no tempo para
se reconciliar com o pai violento e, sobretudo, oferecendo-lhe a oportunidade
de perdoar o brutal assassino de sua filhinha.
O tema do perdão é
tão importante quanto o da teodiceia. De fato, as frases mais profundas do
livro revolvem em torno desse assunto: “perdoar não significa esquecer...
significa soltar a garganta da outra pessoa” (p. 209), “talvez você tenha de
declarar seu perdão uma centena de vezes no primeiro e no segundo dia, mas a
cada dia serão menos vezes, até que um dia você perceberá que perdoou
completamente” (p. 212). Perdoar o assassino se torna ainda mais difícil quando
Papa mostra a Mack onde estava escondido o corpo de Missy. Mesmo assim, ele consegue.
No final, Papa dá a Mack a opção de ir para o céu ou
voltar para os familiares, que é o que ele decide. Na volta para casa, sofre,
porém, um acidente na estrada que o deixa desacordado por vários dias. Durante
a convalescência, Mack conta tudo ao melhor amigo, Willie, que é, de fato, quem
narra o livro. Depois disso, Mack leva a polícia ao local onde o corpo estava
e, com isso, os policiais conseguem localizar outras vítimas e prender o criminoso.
Eu sei que outras pessoas conseguiram ver maldade no
livro, uma agenda oculta e insidiosa capaz de deformar a imagem que têm de Deus
e da Trindade. Confesso que isso nem me passou pela cabeça. O que vi foi o
esforço inteligente e reflexivo de fazer sentido do sofrimento e da tragédia.
Com certeza, Deus deve ser muito mais do que Young consegue imaginar. Se Ele
for, porém, apenas o que Young mostra, já ficarei satisfeito. Como ele, estou
convencido de que “não é da natureza do amor forçar um relacionamento, mas é da
natureza do amor abrir o caminho” (p. 180). Além disso, gostei de imaginar que
a sobremesa favorita de Jesus seja tiramissu (p. 186) e que Deus escute, com
Seu fone de ouvido, a música de cantores que ainda não nasceram. “O tempo”,
como eu acredito piamente, “não representa fronteiras para Aquele que o criou”
(p. 159).
No decorrer de sua narrativa, Young faz uma crítica
pouco velada à religião institucionalizada e aos estereótipos: "religião, política e economia são ferramentas terríveis que muitos usam para sustentar suas ilusões de segurança e controle... Essas instituições, essas estruturas e ideologias são um esforço inútil de criar algum sentimento de certeza e segurança... É tudo falso! Os sistemas não podem oferecer segurança, só Jesus pode!" (p. 166). É compreensível
que os que se beneficiam dessas coisas, usando-as para controlar as pessoas, se
sintam ofendidos pelo livro. Em vez dessa reação cética, cínica e cáustica, o
livro deveria infundir esperança. Afinal, ele prova que “se alguma coisa
importa, todas as coisas importam” (p. 232).
No comments:
Post a Comment