Wednesday, August 24, 2016

Resenha: Platão e a Educação

PAVIANI, Jayme. Platão & a educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2008. 126 p.

por Milton L. Torres

Paviani (2008, p. 7-10) reconhece as dificuldades de se ler Platão, mesmo assim, defende os benefícios de um retorno ao antigo filósofo. Para ele (p. 11-13), Platão foi uma importante testemunha da condenação de Sócrates, desapontamento que o levou a viajar pelo mundo a fim de testar suas ideias educacionais e filosóficas. Apesar de sua desilusão com os maus resultados que teve, inventou a dialética e promoveu o diálogo a gênero literário. Seu pensamento foi especialmente marcado pela tensão entre o concreto e o abstrato, seu interesse metafísico, sua propensão pedagógica e ética, e seu idealismo. Por isso, Paviani (p. 23) indaga: como ler Platão hoje? Sua resposta passa por assinalar problemas contemporâneos que são similares aos da Grécia antiga: pensar filosoficamente a educação como problema de Estado, para formar moral, política, dialética e filosoficamente os cidadãos.
Os diálogos filosóficos foram o principal instrumento platônico para discutir a educação, mas assumiram caráter distinto a depender da época de sua produção. Os diálogos aporéticos da juventude contemplam as grandes questões sem lhes propor uma solução final; os diálogos da maturidade revelam o idealismo platônico; enquanto que os últimos diálogos, mais comedidos, apontam para certa desilusão política. Todos eles exibem, porém, algumas características consistentes: o objetivo educacional, a atitude irônica e a tendência interrogativa (PAVIANI, 2008, p. 29-33).
A educação moral em Platão depende do conceito de arete, o ideal da virtude heroica, e da ideia de natureza (essencialismo). Trata-se de processo ético e político. A forma como o filósofo se posiciona a esse respeito reflete o ambiente educacional de Atenas, no qual havia certa dependência da ideia de uma paideia (“formação”) intrinsecamente ligada à poesia de Homero (PAVIANI, 2008, p. 39-42) e o advento dos sofistas, criadores de uma pedagogia utilitarista, de quem Platão deplora a ênfase retórica e o relativismo (p. 43-46). É o momento da profissionalização e institucionalização da educação e Platão, por isso, se rebela contra a educação tradicional, propondo, em seu lugar, a fundamentação metafísica para um projeto educacional (PAVIANI, 2008, p. 47-51).
No embate do Sócrates platônico com os sofistas, a grande questão é se é possível educar. O otimismo e o relativismo destes contrastam com o toque aparente de ceticismo deste. Paviani (2008, p. 55) enfatiza que parte da razão pelo fracasso educacional de nossa época reside, em certa medida, de não termos conseguido imitar o entrelaçamento platônico entre formação intelectual e enfoque ético. Apesar de suas dicotomias nem sempre defensáveis, parece que Platão, segundo Paviani (2008, p. 57-64), representou um meio termo entre o relativismo (de Protágoras) e a objetividade excessiva (de Parmênides).
Paviani (2008, p. 65-69) lamenta o juízo equivocado de Platão que o levou a rejeitar, na República, a arte como parte do processo educativo: a ignorância de que poesia é ficção e não realidade. O lado positivo desse equívoco foi a proposta de uma reforma educacional de base metafísica que subordinou a arte, suplantada pela filosofia, à episteme (seu antídoto contra o relativismo e a mimese), desbancando o valor do senso comum. O lado negativo foi a implantação de uma censura abrupta que privilegiou o ético, político e pedagógico, em detrimento do estético. De qualquer forma, o resultado foi a essencialização da função ética, política e pedagógica da educação.
Para isso, foi necessário que Platão criasse uma metodologia a partir da influência de conceitos socráticos como os de maiêutica e anamnese. Privilegiando a razão e as situações concretas, o filósofo desenvolve uma teoria da aprendizagem que afirma que, por meio do respeito às etapas e da formação de hábitos, é possível ensinar. Essa ideia da educação como uma espécie de treinamento é especialmente perceptível em Leis, sua última obra. Também se percebe, em Platão, uma preocupação constante com a retórica sofista, considerada perigosa por sua ênfase relativista e seu menosprezo à racionalidade, à dialética e à dimensão divina (PAVIANI, 2008, p. 65-81).
O amor seria, então, o objeto da pedagogia, dada a relação entre eros e logos. De fato, no Banquete, o Sócrates platônico define o amor como uma espécie de busca pedagógica (PAVIANI, 2008, p. 82-86). Nesse sentido, o uso platônico dos mitos rompe momentaneamente com a dialética e reflete sua vocação para a narrativa. O mito da caverna, por exemplo, fornece-lhe um núcleo metafísico para sua concepção epistemológica, ética e política. Sua teoria pedagógica acaba, portanto, valorizando a reflexão, demonstrando interesse político, estimulando as ciências, promovendo a dialética, assumindo feições idealistas e desconfiando da ideia de prazer (PAVIANI, 2008, p. 91-97).
Segundo Paviani (2008, p. 99-107), os principais diálogos platônicos sobre o tema da educação são o Mênon (sobre a virtude e a anamnese), o Protágoras (sobre a virtude e a crise educacional), a República (um seminário sobre ideologias) e Leis (um projeto pedagógico), sendo suas características mais comuns a estrutura dialética, a superação de contradições e aporias, e a passagem da opinião para o conhecimento científico. De modo geral, Paviani trata, com bastante destreza e rara capacidade de síntese, a perspectiva platônica da educação e nos dá uma visão panorâmica e coerente de seu projeto educacional.

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