por Milton L. Torres
Em
nossa era global de viagens rápidas e frequentes, cada vez mais confortáveis e
seguras, eu especialmente gosto de ouvir o anúncio do piloto, geralmente sem
nenhum aviso prévio: - Tripulação, preparar para o pouso.
A
frase evoca a alegria de voltar para casa, de chegar ao destino, a realização e
satisfação de ter cumprido um trajeto, de estar perto da destinação... Provoca
também a movimentação dos passageiros, apertando o cinto de segurança, travando
suas respectivas mesas, desligando os dispositivos eletrônicos, devolvendo o
recosto do assento para a posição vertical, desfazendo-se dos descartáveis. É
um chamado à ação que precede a inação. É um convite a um estado de alerta em
que, apesar disso, nos colocamos, meio entorpecidos, sob os cuidados daqueles
que nos farão pousar em segurança.
Fico
imaginando se é possível ouvir essa mesma frase estereotipada num ambiente
diferente daquele ao qual estamos acostumados nos voos da aviação comercial.
Imagino também se ela provocaria em nós reações equivalentes. Eu acho que isso
é possível. Foi assim que me senti quando completei cinquenta anos de idade.
Ouvi, claramente, uma voz falando pelo autofalante: - Tripulação, preparar para
o pouso.
Diferentemente,
porém, do que acontece na aviação comercial, pareço ter sido o único a ouvir a
voz, apertar o cinto de segurança e seguir os demais itens de protocolo para um
pouso seguro e feliz. As demais pessoas continuaram a se comportar como se
estivessem no meio da viagem, em velocidade de cruzeiro, acima das mais altas
nuvens do céu...
É
interessante que, na vida, ao contrário da aviação, não chegamos juntos ao
destino. Cada um chega lá na sua vez, às vezes até inesperadamente. Os outros
não ouviram a voz. Mas eu ouvi, e fico grato por ter ouvido. Seria trágico se o
avião pousasse inesperadamente, em meio à turbulência, e eu não estivesse
preparado para esse acontecimento sinistro.
Desde
que ouvi a voz, não faço outra coisa senão me desfazer de tudo o que é descartável.
Não vejo sentido em me apegar a toda essa tralha que venho carregando comigo,
até agora, até este momento da viagem. Assim, venho descartando as coisas.
Naquela hora, quero comigo apenas o que for estritamente essencial.
Ao
mesmo tempo, apertei, com firmeza, o cinto de segurança. Isso significa que
estou preparado para um pouso suave, impacto ou colisão. O que vier pela frente
não me pegará de surpresa. Outra coisa que venho apertando é a mão dos outros
passageiros. Não se trata de medo de voar, só quero o conforto de saber que
alguém me segura a mão porque é importante a companhia dos outros. Não podemos
terminar a viagem solitária e tristemente.
Já
travei a mesinha e coloquei meu assento na posição vertical, pois o fim da
viagem não é hora de trabalhar, nem de relaxar. Pelo contrário, é hora de
alcançar o equilíbrio pelo qual seremos lembrados. É, acima de tudo, o momento
de sermos corteses, amorosos, espontâneos e fiéis às coisas que nos definiram e
continuarão a definir enquanto houver lembrança da partida e da chegada.
Fora
isso, ainda não consegui desligar os dispositivos eletrônicos, mas já tenho uma
boa ideia de que precisarei fazê-lo em breve, hoje ou amanhã de manhã. Afinal
de contas, não adianta tomar todas as outras medidas de segurança se não vamos
investir nossa atenção inteira no fim da viagem e suas repercussões. Nessa
hora, é preciso ter as mãos livres para abraçar e beijar, e despedir-nos, e
desejar boa sorte, e olhar bem para os olhos das pessoas e recordar o quanto
elas nos fizeram felizes, o quanto fomos felizes juntos...
O
melhor, entretanto, é que, nesse fim de viagem, não temos que reclamar nossos
pertences na esteira de número três, nem providenciar os meios para a
continuação do deslocamento. Outros cuidarão dessas coisas... Podemos, em vez
disso, apenas descansar em paz!
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