Wednesday, April 11, 2018

Dez Coisas Favoritas (Para Minha Amiga Samilly)



por Milton L. Torres

De vez em quando converso pelo whatsapp com uma incrível moça de Minas Gerais chamada Samilly. Ela é inteligente, sensível e tem um papo muito cabeça, exceto quando começa a reclamar da vida. Nesses momentos, eu geralmente a interrompo e procuro reacender uma centelha brilhante que, às vezes, fica escondida no coraçãozinho dela. Aí eu começo a falar de coisas boas. Ela fica mal-humorada por alguns minutos, mas, no fundo, no fundo, eu sei que ela concorda comigo e que fica me contrariando só para fazer a conversa render. Ao falar de coisas favoritas, ela nunca consegue mencionar mais do que duas, lamentando-se de que as coisas simplesmente não a empolgam mais. E eu quase que escuto o coração dela batendo, pois sei que dentro dele palpita vida como ela nunca seria capaz de imaginar, essa centelha que certamente renderia um fogo consumidor, até uma grande paixão, expectativas e sonhos além da imaginação.
Eu decidi pensar em dez coisas favoritas capazes de fazer o coração da Samilly ganhar novo ânimo e encher-se de desejo pela vida. Não apresento a lista numa ordem coerente ou gradativa. São só as coisas que me entusiasmam e me fazem querer viver e ser feliz, coisas com as quais gostaria de infectá-la.
Em primeiro lugar, tiramisu, a sobremesa favorita de Jesus: melhor do que sorvete, torta holandesa, ou qualquer coisa que a imaginação colorida dos cozinheiros gourmet consiga conceber. Ou, em vez disso, macarronada cheia de cogumelos e manjericão...
Em segundo lugar, disputa de pênaltis, quando a bola na marca da cal decide se a gente fica ou vai embora, se comemora o campeonato ou se recolhe à melancolia profunda dos perdedores.
Em terceiro lugar, uma criança no colo, ensinando os recomeços da vida, os braços estendidos com sinceridade, os incansáveis beijos repletos da admiração evocativa daqueles que são puro sonho e fantasia. Ou, nesse mesmo colo, um cachorrinho, em vez disso, com afagos e carinho, o ser humano mais completo que já conheci...
Em quarto lugar, um filme de ficção científica em que a raça humana se salva por um triz na guerra dos mundos, a tela bruxuleante e hipnótica da qual não se pode desviar o olhar por um segundo sequer.
Em quinto lugar, um livro: de Lucrécio, Guimarães Rosa, Nietzsche ou Homero. Algo épico, grandioso, cujas páginas se enchem de emoções e conflitos, tudo resolvido sob o beneplácito dos imortais, sejam eles divinos ou humanos.
Em sexto lugar, um passeio de carro num dia ensolarado em que, nenhuma preocupação nos acompanha, a não ser a estrada, quando o vento nos despenteia o cabelo pela janela aberta e nem nos incomodamos com isso.
Em sétimo lugar, o beijo no pescoço, com os calafrios que o acompanham, prenúncios de prazeres maiores e irrevogáveis, o cheio adocicado do perfume, os frêmitos, o gozo já antecipado.
Em oitavo lugar, o apelo do sermão, quando, vulnerável e atento, o coração aspira a novos horizontes, uma sobrevida eterna, a companhia dos anjos, enquanto o coral canta de ondas e mar, a travessia para o outro lado.
Em nono lugar, o vislumbre da janela do avião, quando o destino é um paraíso tropical, Punta Cana ou Cancun, e você imagina como é possível que voe numa máquina mais pesada do que o ar, porém se lembra, então, de que a vida tem suas dores, mas é também cheia de prazeres...
Em décimo lugar, uma canção dos Beatles, com a ingenuidade lírica dos que só querem e buscam o bem, a paz que se imagina, um céu de diamantes, o submarino amarelo, segurar a mão, enquanto a guitarra quase que adormece gentilmente sob o sentimento do coro, mesmo que você tenha ou se sinta com 64 anos de idade.
Não sei se a Samilly já experimentou tudo isso ou a metade disso ou duas dessas coisas ou pelo menos uma delas, umazinha só. Quando eu a leio, ou vejo, ou ouço, eu só posso desejar que ela o faça. Se ela o fizer, essa cabecinha, às vezes tonta e cheia de devaneios, e esse coraçãozinho, às vezes apertado e triste, vão lhe abrir os olhos para que leia, veja e ouça como eu a leio, vejo e ouço: uma moça cheia de vida que tem tudo para ser feliz e com quem eu, alegremente, trocaria de lugar quando, onde e por tanto tempo quanto ela quisesse, para ser Samilly, jovem, linda, cabeça de vento, coração de palha, para me contrariar e contradizer, para experimentar, de novo, como se pela primeira vez, cada uma das dez coisas favoritas.




No comments: