Monday, January 06, 2020

Carta a mim mesmo, direto da cápsula do tempo

Último dia do ano 2014 de Nosso Senhor Jesus Cristo. Carta a mim mesmo.
               Este é um lembrete, na passagem de ano, de que meio século de existência pode me tornar mais forte do que o tempo, a gravidade, a decrepitude e outras forças implacáveis que corroem o vigor físico, o ritmo cardíaco da vida e a agilidade mental. Tento me convencer de que preciso apenas da atitude certa: a de reconhecer, nas pequenas coisas, que não é a duração da vida que me faz feliz. Ao contrário disso, é a felicidade que me dá vida. E como não ser feliz? Eu posso até deter o tempo, por alguns minutos, com a simples lembrança das coisas formidáveis que me sucederam: as viagens, quer aquelas empreendidas nos meios convencionais de transporte, quer as da minha imaginação, que me levou mais longe e mais rápido do que qualquer foguete que já existiu ou existirá. Os livros (de capa a capa), os poemas (de Homero, Bukowski), as línguas (principalmente o grego), essa fortuna que eu ajuntei por uma bagatela. Eu posso superar o peso da gravidade com a leveza de um coração aberto, sensível, esperançoso... Diálogos, conversas ao telefone, emails recebidos e armazenados em uma pasta intitulada “mensagens memoráveis”. Posso rejuvenescer com a recordação de beijos, abraços e cópulas, e com a expectativa de mais beijos, abraços e cópulas. Além disso, com uma experiência que nunca consegui decifrar, nem no todo nem em parte: a conexão cerebral, visceral entre professor e aluno. Venço a morte, a cada dia, com a lembrança desses prazeres ingênuos, o quarto gol já no final do segundo tempo; a prece desinteressada em favor do outro; os pequenos sacrifícios; os afagos incondicionais de um cãozinho que, no que diz respeito aos demais seres do planeta, não passa de uma criatura mal-humorada e tão indiferente quanto um gato, mas que se desmancha de satisfação ao som de minha voz; a alegria na realização dos filhos, sobrinhos, parentes próximos e distantes; os encontros inesperados; letra e música; vislumbres do futuro e, principalmente, do passado; aspirações... Não há, então, motivos para estar triste, mesmo no último dia do ano, mesmo aos 52 anos de idade.




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