por Milton L. Torres
De tantos em tantos anos alguém desafia a sabedoria dos antigos ao promover questionáveis campanhas contra a integridade do significado de palavras já consagradas pelo uso. Há pouco tempo, os profissionais da área de saúde rejeitaram o termo “autópsia” sob suspeita de que a palavra seria uma má formação, uma vez que, na opinião dos pretensos sábios da modernidade, o vocábulo “autópsia” faria referência a um auto-exame incompatível com a natureza do processo de dissecação de um cadáver. Nada podia estar mais distante da verdade. A palavra “autópsia”, de uso consagrado pelos mais respeitados médicos gregos da antigüidade, significa “exame com os próprios olhos”. Empregada por Galeno e Dioscórides, nos primeiros séculos da era cristã, só não foi usada antes por Hipócrates porque este preferia não se incluir entre os anatomistas, valorizando mais a observação do comportamento e as experiências dietéticas do que a etiologia fundamentada na dissecação dos órgãos internos, conforme se percebe na recente e excelente edição dos Textos hipocráticos, promovida pela Editora Fiocruz, sob os auspícios de Henrique F. Cairus e Wilson A. Ribeiro Jr. Além disso, mesmo que “autópsia” significasse apenas “auto-exame”, que melhor momento teríamos para visualizar a fragilidade do ser humano, a nossa própria debilidade, senão enquanto nos vemos a nós mesmos refletidos na figura inerte, mas maravilhosa, de um corpo humano? Se fosse médico, preferiria muito mais imaginar-me respeitosamente desvendando a natureza do homem a contentar-me com o exame de um corpo coisificado.
Na época romana, o alumnus era uma criança (principalmente do sexo feminino) que, abandonada pela própria família, recebia os cuidados de uma família que se dispunha a recebê-la em seu seio. Porém, muitos meninos abandonados tornavam-se meros servos ou gladiadores. Ser um alumnus não era, por isso, o mesmo que ser um filho adotivo, pois o status daquele era o de semi-adoção, conforme fica claro no tratamento dado a esse fenômeno social no livro The kindness of strangers: the abandonment of children in Western Europe from late antiquity to the Renaissance, de John Boswell. Apesar da perversa situação demonstrada, ali, por Boswell, pode-se dizer que a adoção do termo “aluno” no âmbito educacional teve uma intenção nobre. O professor deveria ver o aluno com os olhos carinhosos do mentor que havia sido colocado in loco parentis, isto é, “no lugar do pai”. Não nos deveria surpreender, contudo, essa ligação entre o contexto educacional com uma situação social desfavorável, afinal de contas, a própria palavra “pedagogo” indicava status servil na antigüidade, sendo o antigo pedagogo meramente o escravo que acompanhava o estudante à escola.
Bem, meu objetivo, aqui, é simples e categoricamente afirmar que a palavra “aluno” não significa “sem luz” e que abandoná-la por tal motivo pode apenas indicar que os modismos que procuram destruir as convicções pedagógicas daqueles que são acusados de serem educadores “tradicionais” remetem apenas a uma nova modalidade de educador, leviano e falaz, mas destituído da substância da cultura.
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