Monday, November 24, 2008

Unção e Oração: o Cuidado do Fisioterapeuta Cristão com a Saúde Física e Espiritual de seus Pacientes

por Milton L. Torres

Nas sociedades antigas, a doença e a morte eram consideradas como sendo contrárias às leis da natureza. Por essa razão, criaram-se rituais e mitos que ajudavam as pessoas a lidar com o caos provocado por essas penosas circunstâncias. Algumas das mais antigas práticas desses povos incluíam a unção dos enfermos e as preces em seu favor (CORNIER, [199-]).
Na tradição cristã, a unção dos doentes foi uma herança dos antigos judeus. A Bíblia hebraica fala que, além disso, o óleo era empregado no preparo do corpo para o sepultamento, na coroação dos reis e na unção dos cativos antes de sua libertação (2 Cr 28:15). A unção com propósitos medicinais encontra-se estabelecida firmemente na epístola de Tiago (5:14), que recomenda que os enfermos solicitem unção e orações. O título de “Messias”, ou “Ungido”, recebido por Jesus, talvez se deva também à expectativa de que o grande líder religioso de Israel pudesse curar os enfermos (CORNIER, [199-], p. 37-38). Os relatos evangélicos, de fato, apresentam a Jesus curando por meio do toque e da palavra. Os discípulos de Jesus seguiram seu exemplo e levaram a cura a muitos enfermos (Mr 6:13), continuando essa prática mesmo após a morte de seu mestre (GUSMER, 1984, p. 6-8). Não existem narrativas canônicas que apresentem a Jesus ungindo os enfermos, mas Mateus nos informa que uma mulher de Betânia ungiu a Jesus em um banquete que precedeu a sua morte. Tudo o que sabemos acerca da unção no início do cristianismo parece ser oriundo dos relatos evangélicos e das orações dos primeiros pastores (ou padres) que ficaram registradas nos livros que escreveram, a mais antiga delas tendo sido escrita por Hipólito de Roma, por volta do ano 215 (POSCHMANN, 1964, p. 237). De acordo com Cornier ([199-], p. 41), essas orações tinham natureza anamnética (isto é, faziam lembrar as unções descritas na Bíblia) e epiclética (isto é, evocavam a atuação do Espírito Santo sobre o óleo e sobre o enfermo). Interpretando essas orações antigas, Martos (1991, p. 322) afirma que elas eram geralmente acompanhadas de um beijo dado ao enfermo, conhecido como “o beijo da paz”.
Como se percebe, o cuidado espiritual é, há muito tempo, uma necessidade sentida pelos enfermos. Do contrário, não haveria uma tradição religiosa tão firmemente estabelecida a esse respeito. Ignorar essa tradição ou essa necessidade é subestimar a eficácia de uma sabedoria milenar. O fisioterapeuta cristão não é menos responsável pelo cuidado espiritual de seus pacientes do que o ministro que atende a eles. A experiência humana tem testemunhado a existência de uma ligação inquebrantável entre a enfermidade e a religiosidade. É nos momentos de fragilidade que o ser humano se volta em busca da experiência espiritual capaz de conectá-lo a um poder superior. A doença, pode-se dizer, serve de propedêutica para o falar com Deus. Além disso, essa mesma tradição milenar nos fala de rituais, de óleos, de toques e beijos. Ela nos ensina que o contato físico é parte imprescindível do cuidar. Como a tarefa curativa do fisioterapeuta envolve o contato físico em uma dimensão que o médico e alguns outros profissionais da saúde jamais teriam condições de compreender, o fisioterapeuta se torna admiravelmente capaz de prover, além do cuidado físico, o apoio espiritual que o deve acompanhar.
Falando a um capelão, um experiente profissional da saúde no Canadá dá o seguinte testemunho sobre como há lugar para o apoio espiritual no ambiente hospitalar: “nossos pacientes precisam de muito apoio. Eu vejo um verdadeiro pavor nos olhos das pessoas. Como reagir a isso? Tocando e cuidando: eles têm a necessidade de alguém com a capacidade de lhes abrir as portas, e lhes tocar as feridas. Você pode tocar essas feridas e servir de espelho para que eles mesmos resolvam suas ansiedades” (PLOUFFE, 1999, p. 148).
Os discursos médicos e os discursos religiosos têm freqüentemente competido na construção do corpo e nos conceitos correlatos de saúde, doença e cura (OPP, 2000). Ao longo da história mais recente, enquanto os profissionais de saúde muitas vezes buscam desacreditar a recuperação oriunda principalmente da experiência espiritual, os religiosos muitas vezes desconfiam dos avanços da medicina convencional. No entanto, não é necessário que seja assim. Numa época em que o holismo e a tolerância são enfatizados mais do que nunca, é hora de deixar as diferenças e o discurso vazio a fim de que os profissionais do cuidado espiritual e os profissionais do cuidado físico possam se unir no propósito comum que têm de cuidar daqueles que padecem sofrimento. Por causa de seu compromisso com o bem-estar integral daqueles de quem cuidam, os fisioterapeutas, sejam eles cristãos ou não, mas especialmente aqueles com inclinações espirituais, podem servir de mediadores entre as dimensões físicas e espirituais no processo da cura. O respeito aos ritos religiosos que o paciente prefere e o contato amistoso com capelães, sacerdotes e ministros podem parecer detalhes de menor importância, mas contribuirão significativamente para uma maior eficácia dos fisioterapeutas em sua peleja diária e incansável contra a morbidade.

Referências

CORNIER, Stella. Anointing of the sick by a lay person: extending the sacramental role of anointing the sick to the lay person. [199-]. 78 f. Dissertação (Mestrado em Teologia) – St. Stephen’s College, Edmonton

GUSMER, Charles. And you visited me: sacramental ministry to the sick and the dying. New York: Pueblo, 1984.

MARTOS, Joseph. Doors to the sacred. Tarrytown: Triumph, 1991.

OPP, James W. Religion, medicine, and the body: Protestant faith healing in Canada, 1880-1930. 2000. 414 f. Tese (Doutorado em História) – Carleton University, Ottawa.

PLOUFFE, Rhea T. Terminal disease and the experience of God: a qualitative study of the transitional space. 1999. 254 f. Tese (Doutorado em Ministério) – St. Stephen’s College, Edmonton.

POSCHMANN, Bernard. The penance and the anointing of the sick. New York: Herder & Herder, 1964.

publicado originalmente na Revista Fisiounivir, Cachoeira, BA, p. 6-7, 20 jun. 2008.

1 comment:

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