Friday, October 05, 2012

Vegetarianismo e Poesia

por Milton L. Torres



Vinicius de Moraes foi um homem de posições pouco convencionais. Casou-se uma dezena de vezes e viveu a vida com intensidade. Além disso, atribuía ao sábado a causa de todas as infelicidades humanas. Assisti recentemente a uma palestra do Prof. Davi da Silva Oliveira, professor de literatura no curso de Letras do UNASP, em que ele recitou o poema "O dia da criação", de Vinicius. Os versos, baseados na declaração "macho e fêmea os criou" (de Gn 1:27), afirmam reiteradas vezes que todos os males do mundo ocorrem por causa do sábado. Segundo o raciocínio do poeta, se Deus tivesse descansado na sexta-feira (sem criar, portanto, o gênero humano), nosso planeta estaria livre das principais incoerências que o acometem...

Contraditoriamente, a sensibilidade poético-musical raramente impedia que o poeta, ocasionalmente, manifestasse seu lado mais animalesco. A boemia o acompanhava alhures e algures, e criava nele a vanglória de se render impunemente à sensualidade, apetite, hedonismo, enfim, aos prazeres da carne. Carlos Drummond de Andrade chegou a dizer que Vinicius foi o único poeta brasileiro que ousou viver inteiramente sob o signo da paixão. Vinicius tinha uma notória antipatia pelo vegetarianismo. Por isso, publicou o poema "Não comerei da alface a verde pétala", no livro Para viver um grande amor:


Não comerei da alface a verde pétala

Nem da cenoura as hóstias desbotadas

Deixarei as pastagens às manadas

E a quem maior aprouver fazer dieta.


Cajus hei de chupar, mangas-espadas

Talvez pouco elegantes para um poeta

Mas peras e maçãs, deixo-as ao esteta

Que acredita no cromo das saladas.


Não nasci ruminante como os bois

Nem como os coelhos, roedor; nasci

Omnívoro: dêem-me feijão com arroz


E um bife, e um queijo forte, e parati

E eu morrerei feliz, do coração

De ter vivido sem comer em vão.


Com o soneto, o poeta tentava criar a ilusão de que estava acima do bem e do mal. Pretendia ter uma natureza imune às dificuldades dos demais mortais. O biógrafo José Castello, autor da obra Vinicius de Moraes: o poeta da paixão, diz que Vinicius foi um homem que viveu para se ultrapassar e para se desmentir. Para se entregar totalmente e fugir, depois, em definitivo. Para jogar com as ilusões e com a credulidade, por saber que a vida é apenas mais um tipo de ficção. No entanto, quando o poeta envelheceu e viu a saúde debilitada. Teve que se contentar em comer legumes na água e sal como qualquer outro velho.

Minha reação ao desdém de Vinicius pela folha de alface é a paródia de seu soneto, que compus em dezembro de 1990, na cidade de Salvador, e que intitulei “Eu comerei da alface a verde pétala”:


Eu comerei da alface a verde pétala

E da cenoura aljôfar prateado

Deixarei a violência ao embotado

E a quem mais aprouver fazer-se fera.


Cajus hei de chupar, mangas-espadas

Talvez pouco elegantes para um esteta

Mas são banquete opimo do poeta

Que acredita no cromo das saladas.


Se nasci carnívoro como um tigre

Um pensamento, alguma coisa houve

Estou diferente, sinto-me livre!


Eu viverei, comendo apenas couve

Mas hei de ser firme, hei de ser forte

Não cevarei jamais vida na morte.





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