por Milton L. Torres
Em
2002, tomei um voo em Atenas para Frankfurt, onde faria uma conexão para os
Estados Unidos. Ao embarcar, notei um casal choroso que se despedia da filha de
uns oito anos de idade que ia tomar o mesmo voo para fazer uma conexão rumo ao
Brasil. Sem notar a presença deste outro brasileiro à paisana, conversavam, em
português, sobre os riscos de uma criança viajar sozinha. A menina tentava
tranquilizar os pais, sacudindo afirmativamente a cabeça para cada conselho
recebido.
Depois
do embarque, notei que a menina se acomodou em um assento pouco à minha frente.
Antes, porém, da decolagem, corri até ela e lhe disse, em português, que, se
ela tivesse qualquer dificuldade para se comunicar, podia recorrer a mim,
porque eu falava português. Para minha surpresa e satisfação, ela me explicou que,
além do português, falava outras línguas, inclusive o inglês. Voltei, portanto,
ao meu assento, convencido de que, apesar de tão jovem, a menina de cabelos
cacheados tinha desenvoltura suficiente para lidar com a situação sem a minha
interferência. No entanto, no meio do voo, o avião foi desviado para a Bulgária
porque uma pessoa tivera uma complicação cardíaca. Depois que nosso avião foi
invadido pela equipe de resgate e o passageiro foi retirado às pressas e em
grave condição, a menina pediu à aeromoça para se sentar ao meu lado.
Permanecemos juntos até nos separarmos para nossos respectivos voos.
Até
hoje eu me perguntava que impulso me havia levado a procurar a garotinha de
Atenas para lhe oferecer minha proteção. Até hoje eu pensava que havia sido meu
instinto paternal. Afinal de contas, eu tinha uma filha da mesma idade e isso
me havia levado a agir como pai. No entanto, estou agora, neste exato momento,
noutro voo, entre Caracas e a Cidade do Panamá, e um garotinho de uns nove anos
de idade viaja sozinho, sentado entre mim e uma jornalista venezuelana, que não
podia lhe ser mais indiferente. Eu, por outro lado, estou aqui cuidando de
todos os detalhes possíveis para que ele tenha um voo confortável e seguro. Aí
me dei conta de que não podia ser apenas o instinto paternal agindo. Com os
filhos crescidos e nenhum neto à vista, chego à conclusão de que é outra a
razão para minha preocupação com crianças que viajam sozinhas. É que sou
professor!
Dizem
que sou um professor do tipo tradicional e, se isso significa que sou igual ou
parecido com os professores que tive ao longo de minha carreira acadêmica,
então devo concordar: sou tradicionalíssimo. Os professores que encontrei nas
escolas públicas de Minas Gerais, as únicas nas quais estudei até chegar à
faculdade, eram responsáveis, exigentes, envolvidos, tinham tutano e
substância, foram a melhor influência que tive na minha infância e a principal
razão por que escolhi a carreira de professor. No entanto, esses professores são
impiedosamente criticados pelos pedagogos de hoje como arrogantes, presunçosos
e, acima de tudo, controladores. Não conheço outra profissão que tenha sido tão
constantemente difamada quanto a do professor. Sendo assim, não é de admirar que
quase ninguém ainda nos respeite, nem mesmo os alunos que convivem conosco e
testemunham nossos esforços. A sociedade também decidiu crer naqueles que se
levantam para denunciar nossas incapacidades.
Para
o avanço da medicina, não foi necessário pichar os médicos. Para o avanço da
tecnologia, não foi necessário falar mal dos programadores. No entanto, para o “bem”
da educação, não se faz outra coisa senão atacar os professores, seus métodos,
sua conduta, seus ideais. Até o adjetivo “tradicional”, de significado tão
positivo em outras esferas, foi conspurcado por sua associação com a profissão
docente. Não é à toa que estamos nos tornando uma classe sem coração e, o que é
pior, sem alma.
Podem
me criticar e me diminuir, mas é com uma preocupação como a que tenho com as crianças
que viajam sozinhas que entro cada dia na sala de aula. Sou responsável por
todas elas. Sinto a sua apreensão e inseguranças. Busco a sua felicidade. Na
ausência imediata dos pais, eu me ponho in
loco parentis. Por isso, se o avião estiver em perigo, não lhes vou
perguntar o que devo fazer. Eu é que vou lhes dizer o que devem fazer. Não
espero que me salvem nem que me confortem. Eu é que quero salvá-las e, para salvá-las,
peço que confiem em mim, pois, no caso da sala de aula, não sou apenas um
passageiro qualquer nem tampouco um tripulante distraído. Eu sou o capitão, com
a experiência de trinta e tantos anos de voo. Mas como podem confiar se escutam
tantas coisas negativas que se dizem hoje do professor? Por isso, peço que parem
com o enxovalhamento dos professores. Parem com as pedradas! Nós só queremos
proteger as crianças que viajam sozinhas... Só queremos levá-las, em segurança,
ao seu destino.
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