Monday, November 06, 2017

Como sobre-viver ilesos


por Milton L. Torres

                Carl von Clausewitz foi um militar da Prússia que ajudou a negociar o tratado de paz entre a Rússia, a Prússia e a Grã-Bretanha, o que ajudou essas nações a deter Napoleão Bonaparte. Como homem acostumado à linha de frente, von Clausewitz sabia o que era a guerra. Por isso mesmo, declarou de forma enfática: “se queremos que a mente emirja ilesa dessa luta renhida com o invisível, duas qualidades são indispensáveis: um intelecto que, mesmo na hora mais negra e tenebrosa, consiga reter o brilho da luz interior que o leva à verdade; e a coragem para seguir essa luz tênue aonde quer que ela o leve”. Eu acho que o militar superestimou o poder dessa luz interior. Em nenhuma circunstância, conseguiremos passar incólumes pela vida. E nem deveríamos querer isso. As marcas que carregamos dessa luta nos ajudam a medir o grau de nosso enlouquecimento e a magnitude de nossas realizações. A luz não impede a dor; ela, ao contrário, não faz, em certas ocasiões e só em certas ocasiões, nada mais do que ofuscar os olhos alheios de modo que não consigam discernir que trazemos na alma os hematomas de sangrentos golpes.
                O meu amigo Joubert Castro Perez sabe muito bem o que inventar para sobre-viver! Sobre-viver, com hífen. Entenderam? O que eu mais gosto nele é que ele não faz nenhuma pretensão de possuir essa luz tênue e individual de verdade, embora a tenha! Ele não se faz de medida para medir os outros. Ao contrário disso, ele se apresenta a todos os que o conhecem com as marcas de suas loucuras e realizações. Dá para ver em cada ferida, sem tentativas de ocultação, o quanto tudo isso lhe custou. Dá para ver na carne viva! E quando se vive à flor da pele, a gente consegue sentir, depressa e prontamente, a dor do outro. Daí vem essa sensibilidade sutil e aérea que o Joubert leva a tiracolo, sua tentativa não de esconder ou abafar, mas de elevar o corpo magro à altura protegida das ideias e dos ideais.
                Se quisermos passar ilesos pela vida, a única alternativa que nos resta é a solidão. Mas não foi isso que o Joubert quis. Em vez disso, de vez enquanto, ele se recolhe à companhia do caniço e das iscas. Ali recupera o brilho tênue da verdade e assim continua a nos ofuscar com sua sabedoria despojada e simples, com o sorriso luminoso de quem, em sua complacência, já viveu a vida e sabe o segredo, o segredo arcano que ninguém mais conhece, o enigma que ainda nos intriga. Pois não se enganem: o Joubert sabe das coisas! O Joubert sabe tudo!



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