por Milton L. Torres
Você
pode partir o coração de qualquer um que tenha coração. Eu lhe dou o meu
consentimento explícito. Não me importo. Não poupe o cavaleiro de armas
reluzentes, nem os heróis tatuados com serpentes! Não poupe nenhum rapaz que a
espere na esquina, nem Débora, Rita, nem Cristina. O nome não importa. Nem o
grau da aproximação. Pode ser amigo, colega, parente! Se quiser, saia por aí
quebrando corações: de ilustres desconhecidos, de coronéis circunspectos só na
aparência, de astronautas em busca de aventura, de atletas risonhos, mas sem
compostura, de pianistas hábeis e suaves bailarinas, até do palhaço que solta
fogo nas narinas! Mas nunca, nunca quebre o coração de um pai, que um velho coração
não suporta, não aguenta esse ai! Não me tire a única esperança de ternura. Não
me tome o fio fino e pequenino em que a vida se pendura.
E,
quando for tentada, por um capricho passageiro ou deliberada intenção, a
quebrar o coração do pai, lembre-se de que basta uma acanhada negligência, um
esquecimento sutil (quase imperceptível, quase involuntário), certa sonolenta
indiferença, qualquer que seja seu formato, textura ou entretom, para produzir
a avalanche que fará brotar a onda avassaladora da minha falência total e irremediável.
Afinal, coisas tão velhas quanto um coração de pai não se quebram,
espatifam-se, esfarelam-se. Não podem ser coladas nem sofrer reparos. Por isso,
cuidado, muito cuidado com um coração de pai! Não me tire a única esperança de sutura,
pois só uma filha pode salvar o coração do pai.
Pode
me levar um rim. Tome um pulmão e o afogue na piscina, me faça perder uma perna
numa mina, me arranque um braço ou corte meio quilo do meu fígado, me fure um
olho, me envenene com repolho, me fatie os dedos em tantos segmentos, que até na
China se ouçam meus lamentos, me perfure uma mão, me arrebente um colhão, me
extraia um dente por dia, me enfie agulhas na unha do dedão do pé, faça como
quiser, mas nunca, nunca quebre o coração de um pai, que essa dor não posso
suportar. Não me tire a única esperança de doçura; me poupe da tristeza, do
desgosto e da loucura.
Pode
me deixar imóvel, reduzido ao cárcere. Pode levar todo o meu dinheiro, me tome
os livros, as roupas, me deixe de chinelos. Roube o meu humor, a fé, a
confiança. Mas não faça ruir os meus castelos, me dê a expectativa, de que quem
espera sempre alcança. Você pode fazer tudo isto e muito mais, qualquer coisa, ultraje,
pirraça, infâmia ou desfeita, mas me deixe o coração intacto. Não o quebre com
martelos, não o faça em farelos! Não me tire a única esperança de alvura; pois
o amor de filha é a prata, no branco, da abotoadura.
Nunca, nunca
quebre o coração de um pai!
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