por Milton L. Torres
Uma
vez me chamaram de louco, não metaforicamente. Eu sei que a pessoa sabia que eu
não sou louco. Mas ela falou sério. Sua intenção era provavelmente desacreditar
qualquer coisa que eu tivesse a dizer sobre o que eu estava dizendo. A loucura
lhe pareceu o caminho mais curto e direto. Afinal de contas, os loucos não têm
mesmo muita credibilidade. Além disso, a pessoa também pode ter tido a intenção
de me desestabilizar. Eu já fui chamado de muitas coisas, mas confesso que ser
chamado de louco me incomodou. Foi um tijolo a mais na parede quadrada que, às
vezes, se erige rápida à nossa frente, contra a nossa vontade e sob os nossos
protestos.
Uma
vez me chamaram de louco, no sentido de débil mental. Isso é pior do que ser
chamado de tolo, inconveniente, mal-educado ou sem noção. Essas outras coisas a
gente consegue recuperar, estão ao alcance das mãos, dos braços, das pernas e
dos pés. A gente pode agarrá-las ou chegar lá, mas quando a sanidade parece tergiversar,
não nos restam muitas opções além da camisa de força e da babugem nojenta que
nos escorre pelo rosto.
Incomodar-me
com essas coisas é a minha prova de que, apesar da imputação cáustica, não sou
louco. Ou melhor, não sou inteiramente louco. Eu me reservo a regalia de,
ocasionalmente, contrariar o senso comum, desafiar o mundo e não me render às
pressões das opiniões alheias. Se você concorda comigo que, às vezes,
precisamos mesmo dessa certeza rebelde de que nossa própria ponderação vale
tanto quanto o julgamento do resto do mundo, meio a meio na balança, com 50% de
chances de você estar certo e o resto do mundo errado, então posso dizer que
você é meio louco, como eu. Mas não desanime – você podia ser chamado de coisas
piores: indiferente, alienado, desligado ou insensível; uma pessoa sem opinião,
Maria-vai-com-as-outras, essa Maria que também era louca, mãe de D. João VI,
incapaz de governar, só podendo sair de casa na companhia dos outros.
Uma
vez me chamaram de louco, não metaforicamente. Embora constrangido, pensando
bem, chego quase a me conformar. Pode ser que haja aí, de fato, certa verdade. Será
que há um lado inofensivamente bom na loucura? O que fazem os loucos? Intercalam
desvario e lucidez, criam caso e têm dificuldade de se conformar às
expectativas alheias, mas falam com sinceridade. Têm fantasias e assomos de
grandeza, mas não sofrem quando contrariados. Não contestam quando acusados,
apontados e marcados; em vez disso, retribuem à provocação com sorrisos serenos
e francos. É quase como que, mesmo loucos, soubessem de seu valor intrínseco...
Quando me chamaram de louco, foi isto o que eu fiz: agi como louco e
simplesmente sorri. Vamos espalhar esta loucura de não revidar às afrontas e
insultos? Da próxima vez que o chamarem de louco, ou de qualquer outra coisa,
não contraponha argumentos de autodefesa e comiseração. Só ria. Talvez rir seja suficiente para vindicá-lo. Se não for, tudo bem. Há quem diga que o mundo precisa dos loucos.
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