por Milton L. Torres
Pretendo
viver uma vida longa. Não sei o que você pensa disso, mas eu simplesmente adoro
viver. Eu gosto de futebol, sou fã de sorvete, fico horas conversando com
alguém que seja bom de papo, não perco nenhuma refeição, paro para admirar o
sorriso das pessoas e, principalmente, não abro mão da música. Nada me
incomoda: nem o latido do cão, nem o mormaço da tarde, nem a chuva inesperada,
nem o canto do grilo, nem a coceira no pé, nem a buzina impaciente, nem o
engarrafamento na hora da pressa, nem mesmo as reclamações dos outros. Nunca
sofro de dor de cabeça, não tenho falta de ar, nunca padeço de tédio. Tudo,
para mim, é diversão: o trabalho, a briga, os estudos, o ócio, a leitura, a
hora de lavar os pratos! Está bem, há uma coisa que não coloco na minha lista:
exercício físico, se não for para competir.
Pretendo
viver uma vida longa. Não guardo rancor, não fico remoendo os erros, não tenho
medo de chutar o balde, não me acomodo com o que sei; porém, digo, logo de
cara, o que me limita e, por isso, faço tudo do meu jeito, quer você queira ou não.
Se não houver lugar para mim, o problema é seu. Vai perder a companhia! Eu não
vou ficar sozinho. Tenho, afinal, esse instinto, faro para encontrar o outro, habilidade
para ralar o coco, e o sorriso de uma lata aberta, sem medo, nem remorso! Não
ligo para roupa, nem carro, nem smartphone,
nem outro badulaque que encha os olhos do habitante comum da cidade. Eu não sou
comum, nem troco ouro por espelho.
Há
vantagens na roupa velha e sem grife, pois corta o caminho do cálculo ambicioso,
de quem só gosta das roupas e das grifes. Há vantagens em dizer o que se pensa:
só se aproximam aqueles que já nos pesaram as palavras e sentiram que estão na
mesma maré irresistível que nos puxa para o mar, nos mesmos sonhos alados,
aguados, banhados com os raios do sol e com a luz das estrelas, a mesma vocação
para o espaço aberto e os mergulhos profundos, sem ar, sem claridade, no meio
dos tubarões. Há vantagens em dizer o que se pensa: esvazia-se a garrafa velha,
limpa-se o antigo armário, cheio de vestes puídas e fantasias emboloradas, onde
a traça corrói e o verme não se cansa nunca. Há vantagens em dizer o que se
pensa: adeus, sentimentos sufocantes, lastimosos, comiserações e frustrações molestas!
Pretendo
viver uma vida longa. Não sei o que você pensa disso, mas é isto o que pretendo:
setenta, oitenta, noventa, a dentadura no copo, o amparo da bengala, de mãos
dadas, sem enxergar direito, tateando, trôpego, olhar morcegal, mas vivo! De
pena trêmula na mão, o olhar fixo na página, um sorriso nos lábios e as certezas
no coração, que ainda bate e palpita em um brinde à vida. Pretendo viver uma vida longa. Se
não der, porém; se não me for possível, porém, alcançar a coroa longeva da
minha fortuna, não me lamente! Valeu mais ter vivido feliz até hoje do que
apenas projetar uma sombra imóvel e indistinta na parede esburacada do tempo, no
tapume encovado de um futuro com o qual só posso sonhar, imaginar e desejar... Quem
vive feliz nem precisa, de fato, viver muito, pois não há como viver mais, só viver melhor!
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