por Milton L. Torres
A história humana está cheia de heróis anônimos e
epônimos que optaram por entregar a própria vida a renegar uma causa, trair os
próprios princípios ou tolerar a opressão dos inocentes. Entre os mais famosos,
estão pessoas como Sócrates, executado, em Atenas, por aqueles que desejavam se
beneficiar do obscurantismo e da ignorância; Mário Graco, executado pelo senado
romano por causa de seus ideais democráticos e igualitários; Tiradentes, executado
pela metrópole portuguesa por causa de sua defesa da liberdade; Dietrich
Bonhoeffer, executado pelos nazistas, na Alemanha, depois de falhar seu plano
de eliminar Hitler; Antônio Gramschi, executado pelo regime fascista na Itália;
Martin Luther King, assassinado pelos opositores da igualdade racial nos
Estados Unidos; e Nelson Mandela, longamente aprisionado por causa de sua
militância contra o Apartheid na África do Sul. Esses heróis vêm de todas as
partes e lutaram pelas razões mais diversas. Em comum, têm, senão a morte
inglória e cheia de sofrimento, pelo menos o ideal de resistência e corajosa
defesa de princípios dos quais não podiam abrir mão...
Nenhum deles é, porém, o que poderíamos chamar de herói
pascoal. Eles lutaram na esperança de triunfar e subverter o status quo. Lutaram porque tinham a
esperança de vencer e sair incólumes do preço que a derrota os faria pagar.
Por favor, não entendam mal. Eles sabiam que podiam perder. Sabiam que, em caso
de derrota, enfrentariam algum tipo ignominioso de morte. Mas havia a fresta de
esperança que os fazia vislumbrar o triunfo de seus ideais e o reconhecimento
de seus esforços. Pode ser que, ao se deparar com a cicuta, Sócrates tenha se
dado conta de que voluntariamente abraçava um caminho de morte e extinção, mas
não antes. Até aí, acreditava na absolvição. Por isso, não guardou silêncio no
tribunal e se defendeu como pôde. Até Mahatma Ghandi tinha estreitas gretas
pelas quais entrevia o sucesso de sua filosofia de resistência pacífica. Ele
sonhava com isso. Era isso que o alimentava e impelia...
Jesus foi o único herói pascoal da história de nosso
mundo. Convencido, como estava, de que não tinha a menor chance de escapar dos
abusos, da tortura e da morte, ainda assim não hesitou em enfrentar a violência
de seus algozes e superar o abandono covarde dos amigos. Ninguém o defendia e
Ele tampouco se defendeu. Era uma ovelha muda, pronta para o abate. Seu nível
de sujeição às forças cruéis que o intimidavam e torturavam não teve, nem tem
precedentes. Continua como exemplo único e inigualável do poder do amor, pois
só o amor o movia. Jesus não morreu porque tinha que morrer. Ele morreu porque
queria morrer. Não queria, porém, morrer como morrem os suicidas. Não morreu para
abandonar a vida ou estancar o sofrimento. Não abraçou a morte porque desistiu
de lutar, mas abdicou da luta por algo infinitamente maior: a franquia do
perdão.
Nós fizemos de tudo com Jesus, desde a cusparada nojenta e
cheia de desprezo e escárnio, até a exposição vergonhosa de sua nudez, e mais,
muito mais, as pancadas, os espinhos, os pregos, a lancetada que lhe atravessou
o pulmão, o vinagre que o emudeceu... Só não lhe quebramos os ossos. Isto é, não
literalmente. Fomos nós que fizemos essas coisas, e continuamos a fazê-las,
toda vez que praguejamos contra Deus ou esfolamos o nosso semelhante (amigo ou
inimigo, próximo ou distante, da nossa intimidade ou gente que nem conhecemos),
nas guerras combatidas com armas no campo de batalha ou nas guerras travadas
com os penetrantes punhais de palavras desproporcionais e indiferentes, no
conforto do lar, nos saguões das igrejas, nas vias públicas ou na ambiciosa
empreitada de galgar a escada social. E o que ele, Jesus, nos fez e faz? Com o
herói pascoal, não se trata de desforra ou desagravo, mas de chances:
oportunidades de recomeçar, a cada páscoa, a cada dia. Estamos na páscoa. Este
é o território do herói pascoal. É sua dimensão e reino. Sua causa e sua vida.
Por que não abraçamos, juntos, a oportunidade que ele nos oferece? Vamos tornar
esta páscoa em algo mais do que a troca sem graça de ovos coloridos e de sabor
docemente narcótico. Não são ovos de páscoa que Jesus nos convida a distribuir.
Vamos aceitar o exemplo de perdão e entrega de nosso herói pascoal, e submeter-nos
mais a sua vontade, entregando-lhe o coração. E entregar o coração a Jesus é
entregá-lo a todos aqueles por quem ele morreu... Os verdadeiros ovos de páscoa
são as ações de gentileza e abnegação que Jesus deseja que pratiquemos durante
a páscoa, e a páscoa nunca vai acabar, enquanto Jesus sofrer por nós... e nós,
por ele!
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