Friday, April 14, 2017

Os Verdadeiros Ovos de Páscoa: A Páscoa Não Acaba Nunca


por Milton L. Torres

            A história humana está cheia de heróis anônimos e epônimos que optaram por entregar a própria vida a renegar uma causa, trair os próprios princípios ou tolerar a opressão dos inocentes. Entre os mais famosos, estão pessoas como Sócrates, executado, em Atenas, por aqueles que desejavam se beneficiar do obscurantismo e da ignorância; Mário Graco, executado pelo senado romano por causa de seus ideais democráticos e igualitários; Tiradentes, executado pela metrópole portuguesa por causa de sua defesa da liberdade; Dietrich Bonhoeffer, executado pelos nazistas, na Alemanha, depois de falhar seu plano de eliminar Hitler; Antônio Gramschi, executado pelo regime fascista na Itália; Martin Luther King, assassinado pelos opositores da igualdade racial nos Estados Unidos; e Nelson Mandela, longamente aprisionado por causa de sua militância contra o Apartheid na África do Sul. Esses heróis vêm de todas as partes e lutaram pelas razões mais diversas. Em comum, têm, senão a morte inglória e cheia de sofrimento, pelo menos o ideal de resistência e corajosa defesa de princípios dos quais não podiam abrir mão...
            Nenhum deles é, porém, o que poderíamos chamar de herói pascoal. Eles lutaram na esperança de triunfar e subverter o status quo. Lutaram porque tinham a esperança de vencer e sair incólumes do preço que a derrota os faria pagar. Por favor, não entendam mal. Eles sabiam que podiam perder. Sabiam que, em caso de derrota, enfrentariam algum tipo ignominioso de morte. Mas havia a fresta de esperança que os fazia vislumbrar o triunfo de seus ideais e o reconhecimento de seus esforços. Pode ser que, ao se deparar com a cicuta, Sócrates tenha se dado conta de que voluntariamente abraçava um caminho de morte e extinção, mas não antes. Até aí, acreditava na absolvição. Por isso, não guardou silêncio no tribunal e se defendeu como pôde. Até Mahatma Ghandi tinha estreitas gretas pelas quais entrevia o sucesso de sua filosofia de resistência pacífica. Ele sonhava com isso. Era isso que o alimentava e impelia...
            Jesus foi o único herói pascoal da história de nosso mundo. Convencido, como estava, de que não tinha a menor chance de escapar dos abusos, da tortura e da morte, ainda assim não hesitou em enfrentar a violência de seus algozes e superar o abandono covarde dos amigos. Ninguém o defendia e Ele tampouco se defendeu. Era uma ovelha muda, pronta para o abate. Seu nível de sujeição às forças cruéis que o intimidavam e torturavam não teve, nem tem precedentes. Continua como exemplo único e inigualável do poder do amor, pois só o amor o movia. Jesus não morreu porque tinha que morrer. Ele morreu porque queria morrer. Não queria, porém, morrer como morrem os suicidas. Não morreu para abandonar a vida ou estancar o sofrimento. Não abraçou a morte porque desistiu de lutar, mas abdicou da luta por algo infinitamente maior: a franquia do perdão.
            Nós fizemos de tudo com Jesus, desde a cusparada nojenta e cheia de desprezo e escárnio, até a exposição vergonhosa de sua nudez, e mais, muito mais, as pancadas, os espinhos, os pregos, a lancetada que lhe atravessou o pulmão, o vinagre que o emudeceu... Só não lhe quebramos os ossos. Isto é, não literalmente. Fomos nós que fizemos essas coisas, e continuamos a fazê-las, toda vez que praguejamos contra Deus ou esfolamos o nosso semelhante (amigo ou inimigo, próximo ou distante, da nossa intimidade ou gente que nem conhecemos), nas guerras combatidas com armas no campo de batalha ou nas guerras travadas com os penetrantes punhais de palavras desproporcionais e indiferentes, no conforto do lar, nos saguões das igrejas, nas vias públicas ou na ambiciosa empreitada de galgar a escada social. E o que ele, Jesus, nos fez e faz? Com o herói pascoal, não se trata de desforra ou desagravo, mas de chances: oportunidades de recomeçar, a cada páscoa, a cada dia. Estamos na páscoa. Este é o território do herói pascoal. É sua dimensão e reino. Sua causa e sua vida. Por que não abraçamos, juntos, a oportunidade que ele nos oferece? Vamos tornar esta páscoa em algo mais do que a troca sem graça de ovos coloridos e de sabor docemente narcótico. Não são ovos de páscoa que Jesus nos convida a distribuir. Vamos aceitar o exemplo de perdão e entrega de nosso herói pascoal, e submeter-nos mais a sua vontade, entregando-lhe o coração. E entregar o coração a Jesus é entregá-lo a todos aqueles por quem ele morreu... Os verdadeiros ovos de páscoa são as ações de gentileza e abnegação que Jesus deseja que pratiquemos durante a páscoa, e a páscoa nunca vai acabar, enquanto Jesus sofrer por nós... e nós, por ele!




No comments: