Monday, December 17, 2012

Pedagogia Adventista

CONFEDERAÇÃO DAS UNIÕES BRASILEIRAS DA IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA. Pedagogia adventista. Tatuí, SP: CPB, 2004.




por Milton L. Torres



A publicação do opúsculo Pedagogia adventista veio em boa hora. Afinal de contas, perguntas tais como aquelas formuladas por Carmen Souza parecem pertinentes: por que os adventistas do sétimo dia têm tanta dificuldade em definir qual a proposta da Educação Adventista quando conhecem tão bem sua própria filosofia?[1] Assim, quando a Comissão do Livro Didático da Divisão Sul Americana da I.A.S.D. constatou, em 2003, a necessidade de uma sistematização da proposta pedagógica adventista, estudos foram iniciados para que fosse propiciada uma maior identidade da rede educacional mantida pela Igreja e que pudesse orientar sua produção de livros didáticos. O livro, ancorado nos escritos de Ellen White, busca a articulação da história da educação cristã com elementos da filosofia e teologia adventistas, bem como sua prática pedagógica. O livro consegue traçar os contornos de uma pedagogia adventista, e, como escorço, é bem sucedido. Contudo, alguns detalhes podem prejudicar sua futura utilidade como elemento moldador de posturas educacionais por parte dos administradores e colaboradores da Educação Adventista, bem como de seus educadores e dos responsáveis por desenvolver seu programa de didáticos e paradidáticos.

A comissão que assina o livro faz corresponder os princípios da educação hebraico-oriental com princípios divinos desejáveis para a prática pedagógica das escolas adventistas de nossos dias. A comissão vê mesmo no surgimento da Educação Adventista “o propósito de resgatar a cultura hebraico-oriental, fechando assim o parêntese de ruptura que surgiu na história do cristianismo desde seus primórdios até o século 19” (p. 35). Essa declaração me incomoda em muitas níveis. A teologia adventista não me parece pressupor que o ideal educacional de Deus tenha sido desenvolvido através da educação hebraico-oriental. É claro que o relato bíblico sugere que Deus fez uso dos recursos educacionais de que dispunha nos tempos do Antigo Testamento, mas parece claro também que estes não constituíam sua instrumentalidade preferida. Ele fez uso do que dispunha. Talvez se a expressão “cultura hebraico-oriental” fosse modificada em favor de algo como “cultura bíblica” ou “cultura do Antigo Testamento”, a declaração causasse menos estranheza. Contudo, ainda assim, teria dificuldades em entender como seria possível que um sistema educacional confessional pudesse ter como objetivo o resgate de algum tipo de cultura em detrimento da formação ideal de seus educandos. A educação deve respeitar as diferentes culturas, mas deve transcendê-las. Além disso, a declaração ufanista de um “parêntese de ruptura” dificilmente corresponde à visão adventista de um Deus que sempre teve um remanescente que lhe foi fiel. Mesmo que ignorássemos as contribuições dos gregos, dos romanos e dos filósofos escolásticos, será que se justificaria falar de uma lacuna educacional impreenchível através de um período de tempo tão longo?

Essa postura de admiração e respeito à cultura hebraica contrasta com uma atitude bastante desfavorável à paidéia grega. A expressão Educação Grega é usada a revelia, sempre destituída de qualificação precisa. Os autores têm uma concepção monolítica daquela educação como se fosse possível fazer compreender os séculos de educação grega sob rótulo único. Sua declaração, por exemplo, de que “a pedagogia grega era caracterizada pelo ensino aristocrata, especializado, detido apenas por algumas classes sociais privilegiadas” (p. 24) só pode ser considerada verdadeira se aplicada a um período bastante restrito da tradição grega, mesmo porque a definição de “aristocrata” não é inteiramente unívoca nos escritos da Antigüidade Clássica. Sagradas instituições atenienses como a democracia e o ostracismo deixam claro que, na maior parte de sua história, a Educação Grega não era aristocrática. O desfavor com que os autores referem-se à inferioridade da Educação Grega em relação à cultura hebraico-oriental parece ser, amiúde, oriunda de seu desconhecimento acerca da história da paidéia, que permeia praticamente toda e qualquer teoria educacional até hoje proposta. Evidência disso é que as características atribuídas à educação hebraico-oriental para provar sua suposta superioridade são, muitas vezes, características também peculiares à Educação Grega (como, por exemplo, a harmonização entre a prática e a teoria). E quando não o são, dificilmente representam uma posição de vantagem. Como é possível, por exemplo, que os autores exaltem a superioridade da Educação Hebraica pelo motivo de que esta, ao contrário da Educação Grega, não contemplasse o conceito de abstrato (p. 25)?

Um outro aspecto a depor contra a integridade da obra Pedagogia adventista é sua aversão à teorização e contextualização da pedagogia adventista nas discussões ora correntes nos meios educacionais. O livro assume um deletério caráter eclético nas poucas vezes em que faz algum excurso pelos terrenos da teoria pedagógica, e o tom geral do texto acaba sendo etnocêntrico e heterofóbico. Essa aversão ao outro pode criar certo distanciamento fazendo com que pedagogos de outras persuasões não se interessem pelo livro, o que, sem dúvida, diminuiria sua utilidade, especialmente quando um considerável número de docentes não-adventistas labuta hoje nas Instituições de Ensino Superior mantidas pela Igreja. A verdade é que vivemos no século XXI e se não estamos dispostos a abordar as questões que nossos pares não-adventistas estão procurando responder, pode ser que acabemos por sugerir que eles tampouco devam interessar-se pelas questões educacionais que hoje preocupam os adventistas do sétimo dia. E mais ainda, uma vez que a obra pode vir a nortear as práticas pedagógicas de administradores e formadores da política educacional adventista no que esta diz respeito à adoção de didáticos e paradidáticos, pode ser que estes se vejam incentivados a descartar igualmente o saber científico que não traga o imprimatur estabelecido por essa limitada concepção da prática pedagógica dos adventistas.

Isso quer dizer que o livro é destituído de méritos? De forma alguma. A sensibilidade de seus idealizadores quanto à necessidade de uma discussão acerca dos rumos da pedagogia adventista é indiscutivelmente apropriada. Sua coragem de dar o primeiro passo nessa direção, louvável. Mas o que se sugere, aqui, é que o opúsculo seja exatamente isso: um primeiro passo na direção de uma discussão mais ampla da problemática que aborda.



[1] Carmen Souza, Uma proposta pedagógica para a Educação Adventista, Acta Científica, n. 42, 2004, p. 4.



Publicado originalmente por Milton L. Torres em Escola Adventista, Engenheiro Coelho, SP, v. 15, n. 9, p. 34-35, 2005.

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