Monday, December 17, 2012

Resenha: The Welcome Table: Livro sobre a Ordenação das Mulheres

HABADA, Patrícia; BRILLHART, Rebecca F. (Eds.). The welcome table: setting a place for ordained women. Langley Park, Maryland: Teampress, 1995. 408 p.




O livro The welcome table é uma publicação independente de uma organização adventista conhecida como T.E.A.M. (Tempo para a Igualdade no Ministério Adventista) que defende a ordenação de mulheres para o ministério adventista. As editoras solicitaram que Carole L. Kilcher, uma professora de comunicação da Universidade Andrews, escrevesse a introdução à obra. A ironia é que a professora Kilcher não acredita na necessidade de ordenação para homens ou mulheres. Segundo ela, Jesus não ordenou seus doze discípulos nem tampouco foram ordenados os setenta. Ela aceitou, no entanto, o convite como resultado de sua participação em duas pesquisas promovidas pela Associação Geral da IASD. A pesquisa de 1988, dirigida a todos os pastores e anciãos de igrejas da Divisão Norte-americana (DNA), recebeu a participação de 3.036 informantes, 960 dos quais eram mulheres que serviam na capacidade de anciãs ordenadas. As igrejas que tinham anciãs ordenadas disseram apoiar a ordenação de mulheres ao ministério, enquanto que as igrejas que não as tinham se disseram desfavoráveis. A segunda pesquisa, realizada em 1989, foi respondida por 1.872 mulheres que serviam como obreiras na igreja mundial, 60% das quais não se encontravam lotadas na DNA. Suas principais queixas, nessas entrevistas, foram: pagamento desigual, condições desiguais de trabalho e falta de informação. 49% dessas mulheres se disseram favoráveis à ordenação das mulheres ao ministério.



O capítulo 1, “A place at the table: women and the early years” (“Um lugar à mesa: as mulheres nos primeiros anos”, p. 27-44), escrito por Bert Haloviak, então diretor assistente do Departamento de Arquivos e Estatística da Associação Geral da IASD, analisa as assim-chamadas declarações favoráveis de Ellen White à ordenação das mulheres ao ministério. Haloviak estabelece o contexto em que tais afirmações foram feitas, ligando-as ao ministério de Ellen White na Austrália, período em que várias mulheres serviram na função de pastoras. Haloviak mostra que, apesar de os pioneiros se preocuparem com a autoridade bíblica para a IASD adotar um nome, registrar propriedades junto aos órgãos do governo e exigir que seus pastores estudassem em seminários, não houve objeção considerável ao trabalho de mulheres no ministério. Na época, as mulheres adventistas possuíam credenciais ministeriais, participavam de sociedades ministeriais, dirigiam séries evangelísticas e recebiam do dízimo. O autor não apresenta as declarações em ordem cronológica, mas em função de seu crescente impacto favorável à ordenação. Começando com a declaração de 1985 na Review & Herald, segundo a qual as mãos das mulheres adventistas não deveriam ser amarradas, Haloviak faz referência à declaração da carta de 1897, em que Ellen White , com uma definição versátil e dinâmica do ministério, declara que as mulheres envolvidas no ministério adventista deveriam receber do dízimo, e finaliza com uma menção à declaração de 1891, feita em uma sessão da Associação Geral, em que Ellen White afirma que o ministério de homens e mulheres precedeu, na mente de Deus, a criação do mundo.



O capítulo 2, “Moving away from the table: a survey of historical factors affecting women leaders” (“Saindo da mesa: uma pesquisa sobre os fatores históricos que afetaram as mulheres em posição de liderança”, p. 45-57), escrito por Kit Watts, editora assistente da Revista Adventista, em inglês, foi originalmente publicado na revista Ministério Adventista, em inglês, e mostra as razões por que a IASD deixou de conceder credenciais ministeriais às mulheres. A autora mostra como a influência de Ellen White clareou a visão da igreja em relação ao papel da mulher na sociedade numa época em que as mulheres, de modo geral, não podiam ter propriedades, não podiam freqüentar universidades, não podiam votar e não podiam falar em público. A autora lembra que religiosos como John Wesley e George Fox foram os primeiros a falar em defesa de uma maior participação feminina no ministério. Após citar as declarações de Ellen White de que Maria foi a primeira a anunciar a ressurreição de Jesus (de 1886) e de que as mulheres podem fazer um trabalho superior ao do ministro que negligencia visitar o rebanho (de 1898), Watts mostra, por meio de gráficos, as estatísticas que mostram o decréscimo no número de mulheres servindo como tesoureiras e secretárias de Associações, bem como daquelas servindo como departamentais de educação e escola sabatina, na Associação Geral. As razões apresentadas para tal decréscimo são: a crise econômica resultante da Grande Depressão, a nova ênfase nos papéis maternos por causa das Grandes Guerras Mundiais e a morte de Ellen White. Finalmente, a autora lembra que a recente discussão acerca da ordenação de mulheres pela IASD se deveu ao pedido da União Finlandesa à Associação Geral, em 1968, de que essa injustiça seja corrigida.



O capítulo 3, “A guide to reliable interpretation: determining the meaning of Scripture” (“Um guia para uma interpretação confiável: determinando significados nas Escrituras”, p. 63-90), escrito por Raymond Cottrell, um dos editores do Comentário bíblico adventista, tenta mostrar que, embora alguns estudiosos liguem a defesa da ordenação da mulher ao emprego do método histórico-crítico (um método liberal com pressuposições anti-supernaturalistas), são aqueles que se opõem a ela que o fazem movidos por sua fidelidade a um método de tendências fundamentalistas, conhecido como método gramático-histórico (p. 80). O termo “gramático” significaria, etimologicamente, “literal”, uma vez que a palavra grega gramma significa “letra”. Para o autor, esse método, ao qual chama de variante da hermenêutica fundamentalista (p. 83), ganhou acesso à ortodoxia adventista na década de 70, sendo desconhecido, entre os adventistas, anteriormente a esse período. Segundo Cottrell o método é principalmente empregado pelos administradores da IASD sem treinamento teológico porque essa metodologia dá um aspecto de respeitabilidade teológica às posições fundamentalistas a que conduz. Para Cottrell, tanto o método histórico crítico quanto o gramático-histórico são inadequados para o estudo teológico da Bíblia. Segundo ele, o primeiro supervaloriza a dimensão humana da Bíblia (considerada meramente como obra literária), enquanto o segundo atribui valor excessivo à dimensão divina do processo revelatório. Por isso, propõe a utilização de um método histórico que mitigue as tendências aos dois extremos.



O capítulo 4, “Genesis revisited” (“Gênesis revisitado”, p. 93-111), escrito por Donna J. Haerich, historiadora e membro leigo de uma igreja adventista da Flórida, analisa o relato da criação e da queda. A autora procura, primeiramente, definir o significado de imagem de Deus. Para isso, ela recorre a teorias correntes a esse respeito. O que seria, então, a imagem de Deus? capacidades morais e intelectuais? livre arbítrio? capacidades sobrenaturais? capacidade de domínio sobre a terra? Depois de dar certa atenção a esta última possibilidade (uma vez que Gerhard von Rad propõe que, na Antigüidade, as estátuas de soberanos erigidas em seus domínios indicavam precisamente isso), Haerich evoca a análise poética de Phyllis Trible e a teoria de Karl Barth de que, em Gênesis, a imagem de Deus significa a pluralidade formada por homem e mulher. A seguir, a autora enfatiza que a bênção de Gn 1:28 foi pronunciada sobre homem e mulher (e não sobre o homem apenas), constituindo-se em uma bênção de fertilidade e de domínio não violento sobre a terra (e não um sobre o outro). Haerich também analisa Gn 2 e percebe que a palavra homem (ish) não ocorre até Gn 2:22-23. Antes disso, o relato emprega o termo ’adam, que significa “ser humano”. Para ela, isso indica que o sexo no relato de Gênesis é um dado apenas incidental. Ao descrever a criação da mulher, a autora esclarece que a palavra selah não significa costela e que o termo ēzer (“ajudadora”) não tem nenhuma conotação de subordinação. Ela alega que o fato de a mulher ter sido tirada do homem não sugere que ela lhe seja subordinada da mesma forma que o fato de o homem ter sido tirado da terra não o subordina a ela. Pelo contrário, ao ser humano foi dado o domínio sobre a terra. Além disso, Gn 2:22 não afirma que a mulher foi criada para o “varão” (ish), mas para que o “ser humano” (’adam) se tornasse completo. O fato de a designação de “mulher” (ishshah) ter sido tirada da designação do “homem” (ish) tampouco prova coisa alguma, já que a expressão “ser humano” (’adam) também foi tirada de uma outra palavra: “terra” (adama). Finalmente, a autora contende que o homem só deu à mulher o nome de Eva (“vida”) após a queda (Gn 3:20).



O capítulo 5, “Man and woman as equal partners: the biblical mandate for inclusive ordination” (“Homem e mulher como parceiros em igualdades de condições: a ordem bíblica da ordenação inclusiva”, p. 113-135), escrito por David Larson, professor de ética da Universidade Adventista de Loma Linda, propõe uma interpretação coerente para a expressão “auxiliadora idônea” de Gn 2:18 e a questão da subordinação da mulher ao homem. Segundo ele, a expressão não pode significar que a mulher era inferior e subordinada ao homem, uma posição comum nos relatos extra-bíblicos da criação. Dizer que a mulher é a imagem do homem assim como este é a imagem de Deus ignora alguns aspectos fundamentais do relato de Gênesis: (1) o caráter relacional, mútuo e recíproco entre homem e mulher, (2) o fato de ēzer (“ajudadora”) ser também empregado em relação a Deus (Êx 18:4; Sl 33:20; 70:5; 146:5; Os 13:9, etc), e (3) as declarações de Ellen White, segundo as quais Deus criou Eva em igualdade com Adão (Patriarcas e profetas, p. 58). A expressão tampouco pode significar que a mulher foi criada subordinada, mas não inferior ao homem porque essa idéia tem algumas deficiências básicas: (1) é muito difícil separar valor e função, (2) não tem fundamentação bíblica (1 Co 11:12; Gl 3:28), (3) não encontra apoio nos escritos de Ellen White que afirmam que mulher e homem foram criados em completa igualdade (Testimonies for the church, v. 3, p. 484), (4) não leva em consideração que Eva não foi tentada a se tornar como Adão, mas como Deus, e (5) não leva em consideração o fluxo do relato bíblico que mostra que a mulher nem sempre foi submissa ao homem (Gn 1-3), que a mulher não será submissa ao homem (Joel 2) e que a mulher não precisa ser submissa ao homem (Gl 3). A posição do autor é que, em conformidade com o que afirma Ellen White (Testimonies for the church, v. 3, p. 484) a subordinação da mulher é uma conseqüência da queda. Sendo assim, do mesmo modo que o homem procura, por meio de avanços tecnológicos e progresso nas técnicas de agricultura, se libertar das limitações a ele impostas pela queda, a mulher deve buscar se libertar de suas limitações. Para isso, o autor sugere mudanças: a igreja deve enfatizar (1) organicidade e não hierarquia (1 Co 12), (2) submissão mútua (Ef 5:20-22) e não submissão unilateral, (3) princípios e não conjunturas sociais e (4) destemor diante da perspectiva de mudanças. De acordo com Ellen White (Life sketches, p. 196) “nada temos a temer em relação ao futuro...”



O capítulo 6, “The disappearance of paradise” (“O desaparecimento do paraíso”, p. 137-153), escrito por Fritz Guy, professor de teologia na Universidade Adventista de La Sierra , na Califórnia, propõe uma releitura imparcial dos capítulos iniciais de Gênesis a fim de compreender sua significância teológica. Ele percebe dois pontos culminantes nos dois relatos da criação, em Gênesis, a criação do sábado para a comunhão entre o ser humano e Deus e a criação do primeiro casal para a comunhão dos seres humanos entre si. Ele analisa que a queda trouxe inúmeras conseqüências para a raça humana: (1) vergonha e culpa, (2) alienação, (3) evasão e tendências para racionalizar, isto é, jogar a culpa uns no outros, (4) aumento das exigências de trabalho, (5) corrupção da natureza humana, (6) desequilíbrio nas relações entre Deus, homem, mulher, animais e vegetais, (7) interdição da árvore da vida e (8) morte. Segundo ele, no entanto, a idéia equivocada de que as dores de parto deveriam intensificar-se após a queda se deve a uma tradução equivocada do termo hebraico issabon, aplicado à mulher em Gn 3:16 e ao homem em 3:17. Sua interpretação é de que a queda trouxe mais trabalho para homens e mulheres, e um aumento na freqüência da gravidez. Além disso, a natureza humana é corrompida de tal forma que a mulher se vê degradada a uma condição de subordinação e o homem se vê degradado a uma condição de senhor da mulher. O autor afirma que ambos os fardos são pesados e recorda que a exigência de o homem estar sempre em controle da situação é tão desumana quanto a de se exigir que a mulher aceite passivamente a sua sorte. A queda trouxe uma outra conseqüência desagradável: quando uma mulher não aceita a dominação masculina, pensa-se que ela está tentando dominar o homem. No entanto, em todo o relato de Gênesis, Deus nunca a repreende por ter tomado a iniciativa, mesmo em relação ao diálogo com a serpente, e o homem nunca é repreendido por não ter exercido autoridade sobre a mulher a fim de evitar a queda. Os papéis sexuais são, portanto, pouco significativos nesse relato. A “maldição” proferida por Deus é um catálogo de problemas a serem resolvidos e não de soluções a serem perpetuadas.



O capítulo 7, “Inclusive redemption” (“Redenção inclusiva”, p. 155-177), escrito por Edwin Zackrison, professor de teologia na Universidade Adventista de La Sierra , na Califórnia, estuda os diferentes sentidos teológicos da palavra “redenção”: (1) libertação; (2) resgate; (3) livramento da morte (por meio da ressurreição). O autor declara que o conceito pressupõe a seqüência perfeição/queda/restauração (história da salvação) e cristocentricidade. Trata-se, segundo ele, de um brilhante simbolismo (comprar escravos a fim de libertá-los) com duas dimensões: vertical (relacionamento com Deus) e horizontal (relacionamento com os semelhantes). Zackrison nos adverte, então, que nossa compreensão teológica já esteve errada a nível popular: a idéia de que a raça negra participara da maldição de Cão predominou entre muitos adventistas até recentemente. Hoje, nenhum de nós defende a inferioridade dos negros e esse pensamento chega a parecer absurdo. Por essa razão, não devemos confundir autoridade bíblica com interpretação bíblica. Segundo ele, a religião, às vezes, pode ser mesmo um ópio para o povo, especialmente quando tratamos de estruturas de poder (p. 170-171). Assim, precisamos aprender a diferençar entre “balela religiosa” (godtalk) e a expressa vontade de Deus, pois esta inclui a redenção do ser humano a partir de agora, em sua vida na terra.



O capítulo 8, “The forgotten disciples: the empowering of love vs. the love of power” (“Os discípulos esquecidos: o poder do amor versus o amor ao poder”, p. 179-195), escrito por Halcyon Westphal Wilson, pastora de uma igreja adventista nas imediações da Universidade de La Sierra , enaltece as mulheres que foram discípulas de Jesus, seguindo-o e apoiando financeiramente o seu ministério (Lc 8:1-3). Ela chama a atenção para o fato de que as mulheres foram as primeiras companhias na vida de Jesus e as últimas em sua morte. Embora Jesus procurasse trabalhar dentro dos parâmetros culturais de sua época, Ele ignorou as limitações que tinham sido impostas sobre as mulheres (que não eram contadas na lista de membros das sinagogas, eram ignoradas pelos rabis na vida pública, eram impedidas de freqüentar os cultos quando menstruadas e não eram admitidas às cortes judiciais como testemunhas) e liberou-as para participarem ativamente de seu ministério. Wilson afirma que as barreiras entre homens e mulheres ruíram no Pentecoste (Gl 3:28), Rm 16 tornando-se uma verdadeira sala da fama de mulheres cristãs: Febe, Prisca, Maria, Narcisa, Trifena, Trifosa, Perse e Júnia (que é chamada de “apóstola” em 16:7). Assim, a sugestão da autora é que homens e mulheres parem de competir por prioridade (ser o primeiro) e busquem unidade (ser um).



O capítulo 9, “Who’s in charge of the family?” (“Quem manda na família?”, p. 197-221), escrito por Sheryll Prinz-McMillan, professora de religião na Universidade Adventista de Loma Linda e pastora de uma igreja adventista nas imediações daquela universidade, analisa as principais passagens bíblicas geralmente apresentadas contra a ordenação de mulheres. Antes disso, ele mostra como a doutrina do homem como cabeça tem sido correlacionada pelas estatísticas com a violência familiar, estabelecendo uma hierarquia homem/mulher/criança. A autora analisa, primeiramente, o texto de 1 Co 11. Segundo ela, a temática dessa passagem não é uma teologia da feminilidade, mas uma discussão acerca de estilos de penteado. Nessa passagem o sentido do termo grego kephalē (“cabeça”) teria sido mal compreendido pelos estudiosos que imaginaram que a palavra teria a mesma conotação metafórica dos nossos dias, isto é, a de liderança. Um estudo do termo em suas ocorrências na Antigüidade deu início a uma batalha dos léxicos e sugere que seu sentido básico é o de fonte e não o de líder. Assim, o homem seria a fonte da mulher (por ter sido criado primeiro) e não o líder da mulher. É, por isso, que Jesus é chamado de cabeça da Igreja, a primícia dos mortos (Co 1:18). De fato, o termo nunca é usado na Septuaginta para traduzir uma palavra hebraica que signifique autoridade. Além disso, os pais da Igreja, principalmente Basílio e Atanásio, deram essa interpretação de fonte a kephalē. 1 Co 11:5 esclarece que as mulheres cristãs estavam participando ativamente na adoração. Como judeus e gregos não estavam acostumados a isso, Paulo age de maneira comedida para dar-lhes tempo de se acostumar a essa nova realidade. A segunda passagem analisada pela autora é 1 Co 14, cujo tema básico não é o relacionamento entre homem e mulher, mas a ordem no culto. A passagem pode estar simplesmente proibindo as mulheres de adotarem comportamento desordenado durante o culto, uma vez que elas tampouco estavam acostumadas a participar da adoração. É provável que a lei à qual se refere Paulo seja a lei romana que proibia o comportamento desordenado das mulheres em reuniões públicas. Os romanos desconfiavam especialmente das mênades (ou bacanais), as adoradoras do deus (e não deusa, como afirma a autora, p. 208) Dionísio ou Baco. A terceira passagem analisada é Ef 5 que faz uso de uma forma literária conhecida como “código doméstico”. Esses códigos eram geralmente propostos por filósofos antigos para nortear o comportamento das famílias greco-romanos (mas, ao contrário do que afirma a autora na p. 210, não tinham valor legislativo). Paulo faz, porém, subverte sutilmente o formato do código que propõe: ele substitui submissão unilateral por submissão mútua e, surpreendentemente, encoraja o amor e não o governo. Essa sutileza é necessária porque, do contrário, o apóstolo poderia acabar violando as convenções sociais de sua época. Finalmente, a autora analisa o texto de 1 Tm 2, propondo que seu tema básico é uma discussão sobre o celibato, e reconhece que a passagem parece em desarmonia com outros textos paulinos. No entanto, ela aponta para o fato de que a palavra hēsuchia pode não significar “silêncio” (mas comportamento ordenado) e que o verbo authenteō (“dominar”) pode se referir ao comportamento permissivo das hetairai (ou “cortesãs”) gregas que eram convidadas aos banquetes com a finalidade de entreter os homens com música, discussões filosóficas e sexo. Assim, 1 Tm 2 pode ter o propósito duplo de reprovar um comportamento por parte das mulheres cristãs que, de alguma forma, faça lembrar o comportamento das cortesãs e desabonar o ensinamento gnóstico de que a mulher é a mediadora do conhecimento.



O capítulo 10, “Spiritual gifts and the good news” (“Os dons espirituais e as boas novas”, p. 223-236), escrito por Joyce H. Lorntz, PhD em serviço social e pastora auxiliar de uma igreja adventista na Carolina do Norte, apresenta evidências de que Deus concedeu os dons de ministério também às mulheres. Segundo ela, isso se percebe pela metáfora do corpo articulado (em Rm 12:4-5) e pelo precedente do ministério das mulheres na Bíblia (as filhas de Filipe, Miriam, Débora, Hulda, a esposa de Isaías, Ana, Febe, Priscila, etc). Além disso, Deus não é limitado por preconceitos culturais. Por essa razão, ninguém proporia, hoje, deixar fora do ministério os castrados, os bastardos e os moabitas (embora esses fossem banidos da assembléia em Dt 23:1-3). Segundo a autora, os principais textos bíblicos sobre os dons espirituais (Rm 12:3-8; 1 Co 12; Ef 4:11-13) não fazem restrições às mulheres. As mulheres também são chamadas a pregar o evangelho sob a premissa do sacerdócio de todos os crentes (1 Pe 2:4-10). Para resolver o dilema entre hierarquia e mutualidade, é necessário procurar uma solução que se fundamente na vontade de Deus, que ajude a Igreja a cumprir a missão que lhe foi confiada e que permita que os membros façam pleno uso de seus dons (1 Pe 4:10). Uma teologia que reflita uma cadeia de comando nada mais seria do que a repetição do desejo de Satanás de se tornar como Deus ou o pedido dos discípulos de terem posições privilegiadas no reino de Deus. Ordenar mulheres enviaria ao mundo a mensagem de que valorizamos a reconciliação, a igualdade, o serviço e a humildade. Dizer que uma mulher não pode usar os dons que lhe foram concedidos pelo Espírito Santo desonra o Distribuidor Divino de dons (p. 232).



O capítulo 11, “Ministry: a place for men and women” (“O ministério: um lugar para homens e mulheres”, p. 237-250), escrito por V. Norskov Olsen, ex-diretor geral da Universidade Adventista de Loma Linda, analisa os tipos de ministérios existentes na igreja cristã primitiva. Olsen parte da observação de Hans Küng de que, ao falar de ministérios, os autores do Novo Testamento evitaram usar expressões gregas que sugerissem autoridade em favor de expressões que enfatizavam serviço. O autor apresenta, então, os tipos de ministério, começando pelo ministério apostolar, cuja existência ele restringe unicamente à igreja primitiva, uma vez que o apóstolo é aquele que é chamado e treinado pelo próprio Cristo. Depois, Olsen faz referência ao ministério carismático, que ele define como sendo o ministério oriundo da distribuição de dons pelo Espírito Santo cujas modalidades estão incluídas nas listas paulinas (1 Co 2:28 e Ef 4:11), de conotação missionária, administrativa e litúrgica. Finalmente, o autor faz referência ao ministério formal, iniciado pela escolha por parte da congregação e a subseqüente imposição de mãos (At 14:23; Fl 1:1; 1 Tm 3:8-13; Tt 1:5). O autor trata, então, das palavras gregas usadas em relação ao ministério das mulheres no Novo Testamento: diákonos (Rm 16:1-2), inconsistentemente traduzida como “ministro” no contexto da atuação dos homens, mas traduzida como “diaconisa” quando usada em referência a uma mulher (1 Tm 3:17; 5:9-10); prostátis (Rm 16:2), “patronesse”; e kopiōsa “obreira” (Rm 16:6, 12). Sua conclusão é de que o Novo Testamento apresenta as mulheres como ativamente envolvidas no ministério cristão.



O capítulo 12, “Ordination among the people of God” (“A ordenação dentre o povo de Deus”, p. 251-268), escrito por Ralph E. Neall, ex-professor de religião do Union College, instituição adventista localizada em Nebraska, trata da história da prática da ordenação ao ministério. Segundo ele, o Novo Testamento não possui uma palavra para ordenação e essa prática pouco acrescenta à capacitação já provida pelo Espírito Santo (p. 251). O autor procura demonstrar que há uma diferença qualitativa entre o ministério do Antigo e do Novo Testamento: atrair as nações x ir até as nações; sacerdócio levítico x sacerdócio de todos os crentes; ingresso pelo nascimento x ingresso pelo novo nascimento; admissão pela circuncisão x admissão pelo batismo; e segregação das mulheres x inclusão das mulheres. Para ele, a ordenação não era importante na igreja primitiva, tendo assumido certa obrigatoriedade unicamente a partir de Cipriano de Cartago (146- 258 A .D.), quando os bispos passaram a ser vistos como sacerdotes (p. 258). Lutero lutou para reverter essa situação e Calvino chegou a rejeitar completamente a cerimônia da ordenação. Os primeiros pastores adventistas a serem ordenados (J. N. Andrews; A. S. Hutchins e C. W. Sperry) só o foram, em 1853, a fim de serem diferenciados daqueles que estavam pregando falsas doutrinas. Para terminar o capítulo, o autor propõe um reestudo de 1 Tm 2:11-15 à luz das descobertas de Richard e Catherine Kroeger de que a igreja de Éfeso (onde se encontrava Timóteo) tinha um problema crônico com a doutrina gnóstica de que a mulher era uma mediadora de conhecimento para o homem. Dessa forma, a recomendação de que a mulher ficasse em silêncio na igreja pode ser simplesmente uma tentativa de lidar com um problema local.



O capítulo 13, “Women and mission” (“As mulheres e a missão”, p. 269-288), escrito por Ginger H. Harwood, professora de ética e religião na Universidade Adventista de La Sierra e na Universidade Adventista de Loma Linda, ambas na Califórnia, salienta que o debate sobre a ordenação de mulheres na IASD não é um resultado do movimento feminista (p. 269). Segundo ela, quatro grupos participam desse debate: um grupo decepcionado com a morosidade com que a igreja responde às questões de injustiça e discriminação e que pensa que a igreja deve estar na vanguarda da luta contra a violência e a tirania, um segundo grupo que enxerga o debate como uma evidência da chegada da secularização à igreja e da contaminação de nossos princípios com valores mundanos, um terceiro grupo que se ressente do fato de que as mulheres estejam preocupadas com sua situação social em vez de simplesmente se envolverem na pregação do evangelho e um último grupo que defende que a mulher foi criada inferior ao homem e, por isso, não deve ter acesso à mesma posição hierárquica que este. Após observar o debate, a autora chegou a quatro conclusões: (1) a Bíblia não é explícita a esse respeito; (2) o assunto exige exame cuidadoso; (3) o tema requer o estudo da ordenação de modo amplo; e (4) o tema envolve mais o lado emocional do que o intelectual (p. 273). Para a autora, a ordenação de mulheres será decisiva para o cumprimento da Grande Comissão, pois (1) 60% dos membros da igreja mundial são do sexo feminino; (2) o trabalho harmonioso de homens e mulheres tem mais poder; e (3) as mulheres podem alcançar, com mais facilidade, outras mulheres, tornando-se seus modelos, especialmente no caso de mulheres que sofreram abusos ou vivem em partes do mundo onde há intensa segregação. Segundo Ellen White, “se houvesse vinte mulheres onde há apenas uma, que fizessem dessa sagrada missão a sua obra almejada, veríamos muitos mais convertidos à verdade” (Review & Herald, 2/1/1879). Por que, então, ordenar mulheres: (1) para que façamos uma declaração pública de que as mulheres podem exercer o ministério; (2) para que reconheçamos publicamente que seu ministério é útil para a igreja; e (3) para que elas sejam submetidas às mesmas exigências de capacitação que são requeridas dos homens. A autora termina o capítulo com o poema de Chuck Lathrop (minha versão):



Em busca de uma mesa redonda



Quando indagamos por que, como e quem há de ministrar,

Só uma imagem fica aparecendo:

uma mesa redonda!



Ela vai precisar ser serrada,

e arredondada.

O serrote vai trazer dores

para as pessoas e para as mesas



Mas assim também foi com a cruz,

uma mesa esquisita,

para dar e, é claro, para morrer.



Dessa morte veio vida,

dessa vida veio o levantar-se da mesa

para seu arredondamento



O que é essa mesa redonda na igreja?

É não guardar lugar,

não separar a primeira da última fileira,

não deixar o estrado dos pés para os menores



Mesa redonda significa

fazer parte do todo

em unidade



Significa reservar lugar...

para o Espírito

e seus dons...

Significa perturbar a paz profunda de todos



Nós preparamos, no presente, a argamassa do futuro

pois não podemos mais nos preparar para o passado!



O capítulo 14, “A table prepared” (“Uma mesa preparada”, p. 291-298), escrito por Iris M. Yob, PhD em educação pela Universidade de Harvard, é uma reflexão recapitulativa do conteúdo de todo o livro. Segundo a autora, dada a natureza inclusiva do chamado para todos nos sentarmos à mesa do banquete do Cordeiro, não deveríamos imaginar que o chamado de Jesus para que sirvamos, à mesa, seja menos inclusivo (p. 292). Nossos pioneiros, especialmente Uriah Smith, J. N. Andrews, James White, G. C. Tenney e Ellen White, foram fervorosos defensores da idéia de que as mulheres adventistas deveriam receber credenciais pastorais para o ministério, sendo que 53 mulheres receberam tais credenciais até 1975 (p. 297), a autora solicita, portanto, que essa tradição seja respeitada e mantida.

O livro contém, ainda, um apêndice sobre as declarações de Ellen White sobre o ministério (p. 301-308), uma explicação sobre a teologia da ordenação como esta constava da edição de 1992 do manual para ministros adventistas (p. 309-312), uma declaração com as bases bíblicas para a ordenação de mulheres (p. 313-315), um conjunto de testemunhos favoráveis à ordenação de mulheres da parte de influentes líderes da IASD (p. 316-333) e um esboço cronológico da história do debate sobre a ordenação de mulheres na IASD (p. 334-358). Finalmente, o livro oferece uma lista cronológica seleta de 150 mulheres adventistas que se envolveram no ministério pastoral, acompanhada de pequenas biografias (p. 359-381), as 200 perguntas mais freqüentes sobre a ordenação de mulheres na IASD e respostas sugestivas para essas perguntas (p. 382-398) e uma bibliografia recomendada sobre o tema (399-408).

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